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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Condomínio e utopia


Por Golbery Lessa

O condomínio residencial é uma das mais inconsistentes utopias já inventadas. Uma parte da elite econômica levanta muralhas contra o resto da cidade e obriga-se a construir casas sem muros, num estilo arquitetônico marcado pela possibilidade de o transeunte enxergar várias dimensões do cotidiano dos moradores. A mensagem utópica é clara: aqui se vive uma interação perfeita entre individualidade e comunidade, entre indivíduo e sociedade civil, nesse solo prevalecem os princípios republicanos da transparência, da fraternidade e da liberdade, aqui se chega mesmo a roçar as franjas do socialismo. O nomes desses condomínios são sínteses lingüísticas dessa utopia.

Visitei uma casa na qual um pequeno gramado com menos de dez metros separava a calçada e uma parede externa com setenta por cento de sua área feita de vidro. Como o dono da casa deve se sentir diante de tal interação compulsória com o espaço coletivo, mesmo sendo um lócus de sua classe social? Por que ele se presta ao evidente incômodo de ter sua vida potencialmente devassada diuturnamente pelo olhar de quem passa?

Esse indivíduo tem necessidade de ver e viver sua utopia liberal, aquilo que justifica e empresta sentido à sua sede de lucro, mas a realidade do capitalismo contemporâneo levanta cidades caóticas e refratárias a qualquer aparência de utopia. A elite mercantil inviabilizadora de políticas urbanas racionais é ela mesma vítima do caos da urbe; vende até a corda na qual se enforcará, destrói a própria utopia justificadora de sua visão de mundo. Inventa, então, um pouco consciente e um pouco inconscientemente, uma farsa de utopia: o condomínio residencial.

O mesmo comerciante maceioense destruidor de fachadas com valor arquitetônico paga caro para o seu condomínio ter uma paisagem sem qualquer referência ao comércio. O industrial poluidor dos rios pode ser visto regando as plantas. O latifundiário monocultor não constrói cercas ao redor do seu jardim, contradizendo a lenda rousseauniana sobre o nascimento do direito de propriedade. Ocorre uma transformação geral, o novo homem surge no interior daquele perímetro cercado por guaritas, vigilantes e cercas elétricas.

Muitos acreditam morar ali por mero status, simples ostentação de riqueza, ou para enturmar-se de modo seguro com sua classe social, garantindo lazer, “bons casamentos” para os filhos, bem-estar arquitetônico, distanciamento dos pobres e segurança. Mas para isso não seria necessário a árdua construção de uma aparência de utopia. A utopia igualitária e exibicionista dos condomínios não é funcional para nada disso. Ela é, essencialmente, uma busca desesperada por coerência moral e sentido para a vida efetivada de maneira farsesca por uma classe sem mais possibilidades objetivas de ter coerência e sentido na sua prática e na sua subjetividade. 
 

 

1 comentários:

Anônimo disse...

Bons casamentos? Latifundiário monocultor? Artigo bastante preconceituoso, não? Morar num condomínio fechado, por si só, não faz de alguém um canalha alienado como fora descrito. Edifícios que surgiram aos montes na parte baixa e agora migram para a parte alta possuem os mesmos propósitos dos condomínios de casa. Na verdade, qualquer construção arquitetônica em que a porta da habitação não abre para a rua, mas para um espaço restrito de circulação (condomínios verticais, horizontais, flat, vilas, etc) compartilham de intenções similares. Todas essas habitações conjuntas, assim como as casas comuns, possuem o muro enquanto elemento divisor do que é público e do que é privado e ponto final. Porque o homem desde sempre buscou se refugiar e se recolher num habitat seu. O que diferencia essas moradias entre si é somente o quanto de espaço e área de convívio existe entre o interior (núcleo) da sua casa e o muro que separa o espaço coletivo restrito do espaço público. Usufruir desse espaço restrito não implica necessariamente em isolamento e falta de interesse em vivenciar a cidade. Existem tantos em seus bairros populosos que não avançam para outros espaços, vivem a vida num raio restrito, se trancam depois de determinada hora e passam a noite na frente da tevê. O isolamento é uma característica do homem atual independente de classe, cor, credo. É fruto de uma sociedade que não oferece garantias mínimas de segurança, mobilidade, lazer, etc. O isolamento está nos condomínios fechados, assim como nas casinhas mais populares, em diferentes proporções, mas estão.

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