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terça-feira, 4 de junho de 2013

Quando os ciclistas vão se comportar direito?

 

por André Geraldo Soares, em 03/06/2013

Toda vez que a imprensa aborda acidentes com ciclistas ou os riscos de usar a bicicleta, aparecem guardiões da civilidade viária protestando contra os ciclistas que “cobram seus direitos, mas não cumprem seus deveres”. Adjetivos como descuidados, irresponsáveis ou malucos, referindo-se aos ciclistas, temperam os comentários. Reconhecendo os erros de muitos ciclousuários, vamos perguntar com os reclamantes: quando os ciclistas vão se comportar direito?

Antes de prosseguir, cumpre informar que os defensores da mobilidade sustentável têm absoluto interesse, e assim se pronunciam, de que todos os ciclistas ajam de acordo com os preceitos legais e éticos. Interessa-lhes isso não apenas porque dessa forma os ciclistas estarão menos expostos aos riscos de serem abatidos, mas porque assim eles se tornarão aliados na construção da democracia viária. A sociedade precisa que os ciclistas trafeguem na mão tanto quanto precisa que eles se imponham no trânsito, sinalizando para fazer valer sua preferência (garantida pelo Código de Trânsito Brasileiro), ao invés de esperarem o bom coração do motorista; precisa que os ciclistas respeitem os pedestres tanto quanto precisa que eles intimem os agentes públicos a cumprirem seu dever de instalar infraestrutura segura e de promover o desenvolvimento do ciclismo (idem), ao invés de se resignarem com o papel de intrusos que o estado lhes imputa.

Também é indispensável ponderar que são poucas as pessoas, sejam elas ciclistas ou motoristas, eleitores ou secretários de transporte, que sabem como o ciclista deve proceder no trânsito. Poucos sabem que não se pode cortar a frente de um ciclista ao entrar em uma rua ou em uma garagem, que o ciclista pode ocupar toda a pista antes de convergir para a esquerda e que o capacete não é obrigatório. Levante a mão o ciclista que nunca ouviu, até de agentes do trânsito, recomendações ou ordens para pedalar sobre a calçada ou na contramão...

E não é demais prevenir-se também daqueles motoristas que, apesar da boa fé, asseveram respeitar os ciclistas, porque respeitar os ciclistas significa mais do que não passar por cima deles. Para dirimir dúvidas, perguntemos: qual distância vocês mantém de um ciclista ao ultrapassá-lo? (E vocês entendem a razão disso?) Vocês param para os ciclistas em trevos ou em rótulas, assim como param para os outros motorizados? Vocês sempre param antes de cruzar sobre ciclovias, ou apenas quando os ciclistas demonstram que não vão parar?

Ainda por questões de precaução, importa raciocinarmos: todos aqueles queixosos que não se descolam dos bancos dos seus carros estão mesmo preocupados com a integridade alheia, ou apenas querem diminuir sua própria necessidade de cuidar dos ciclistas nas ruas? Todos aqueles que não se desgrudam das poltronas dos seus gabinetes públicos, ao engrossarem a lista de críticos, estão realmente preocupados com a humanização do trânsito, ou apenas querem tirar o peso da responsabilidade de suas costas? Ora, se o trânsito é um palco de disputas e se nossos impostos vão quase exclusivamente para obras automobilísticas, devemos ter cuidado em aceitar como construtivas as críticas oriundas de quem não tomou a iniciativa de mudar a situação e, agora, reage quando ela está mudando.

Ressalvas feitas, podemos indicar que os ciclistas se portarão bem somente quando todos os usuários da via pública assim o fizerem, criando um ambiente de educação mútua: cada modalidade fluindo com calma no seu espaço e respeitando o espaço alheio, observando a prioridade dos mais vulneráveis nos trechos sobrepostos ou compartilhados – sob uma fiscalização com o mesmo ponto de vista. É uma mudança cultural que exige, dentre outras medidas, a reformulação dos programas dos Centros de Formação de Condutores, que atualmente não passam de agenciadores de “carteiras de motorista”; concomitantemente, é necessário um programa escolar de formação do usuário do espaço público, incluindo uma formação em ciclismo, em substituição às escassas palestras que tratam as crianças como motoristas de amanhã e as ensinam apenas, enquanto não chegam lá, a não atrapalharem o fluxo dos carros.

Sem isto, os ciclistas só poderão se comportar direito, em alguns aspectos, quando tornarem-se massa nas ruas. Em massa, eles não poderão mais andar na contramão ou subir nas calçadas, pois não haverá espaço e condições de fluência. Mas a massa ciclística só poderá advir da adesão daqueles que hoje abusam do seu motor particular e daqueles que são abusados pelas empresas do transporte coletivo, e isso não ocorrerá sem a aplicação contínua de políticas públicas que esparramem e mantenham infraestrutura segura e confortável para as bicicletas. Quem hoje se sente estimulado a usar a bicicleta, apesar de todas as suas vantagens, se o trânsito lhe é hostil, não importa como se comporte aquele que está sobre o selim? Portanto, só resta uma alternativa: que todos se comportem direito como cidadãos e pressionem o estado a mudar essa deprimente realidade das nossas cidades.