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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Um seminário chapa branca...


Foi assim que um palestrante definiu o Seminário sobre Trânsito e Transporte – Trans 2010-2020, organizado pela Prefeitura de Maceió e que tinha como subtítulo a frase “Maceió na busca de soluções”. Muito pouco se ouviu o público e nada se tirou como proposta para a melhoria do transporte e trânsito da próxima década.

O público presente estava dividido entre gestores públicos e líderes comunitários. Houve grande queixa por parte dos líderes comunitários sobre a forma pouco participativa como fora conduzido o seminário. Segundo os organizadores do evento, as manifestações da plateia só poderiam ser feitas por escrito, o que, segundo os líderes comunitários, tornou o debate muito mais expositivo e muito menos participativo.

Os paineis foram basicamente divididos entre exposições dos gestores municipais e de convidados externos. Algumas apresentações críticas, como a do Prof. Sávio Almeida e do Secretário de Meio Ambiente Ricardo Ramalho, ou o resgate histórico trazido pelo ex-prefeito de Maceió, João Sampaio, e pelo Eng. Civil Vinícius Maia Nobre estimularam a reflexão do público.

Porém, as apresentações dos gestores municipais, que trouxeram “prontas” as soluções para a mobilidade urbana da próxima década, foram lamentáveis. As “cabeças pensantes” da Prefeitura de Maceió parecem ter parado no tempo. Nada de novo foi apresentado. Continuam reproduzindo o modelo rodoviarista que teve início, no Brasil, a partir do Governo JK, na década de 1950.

As soluções apresentadas pela Prefeitura resumem-se em: construção de viadutos, alargamento e mudança no sentido de vias e abertura de novas vias. Analisemos cada uma delas:

1) Construção de viadutos – Foram apresentadas as propostas de construção de dois viadutos: um no bairro da Cambona e outro no acesso ao conjunto Benedito Bentes. Será que a Prefeitura de Maceió continua acreditando que os viadutos resolverão os congestionamentos de automóveis da cidade? Não. Eles sabem que a única função do viaduto é transferir o congestionamento de um ponto para outro mais adiante. E por que continuam construindo mesmo assim? Primeiro, porque precisam honrar com os acordos feitos com as empreiteiras. É preciso fazer obra! As empreiteiras precisam ter retorno do dinheiro que investiram no financiamento das campanhas eleitorais. Além do mais, o povo brasileiro ainda tem a ideia de que, “se não há obra, não há progresso”.

viadutos propostos pela Prefeitura como solução para os congestionamentos

2) Mudança no sentido de vias – Foram apresentadas as mudanças de sentido que serão feitas em algumas vias do bairro do Poço, com a intenção, segundo a SMTT, de melhorar o fluxo de automóveis naquela região. Ruas que têm sentido duplo passarão a ter sentido único, outras terão o sentido invertido e, o pior de tudo: ruas estritamente residenciais passarão a receber um grande fluxo de automóveis, acabando com a tranquilidade dos moradores e com o lazer das crianças. Essas ruas foram chamadas pelos expositores de “ruas ociosas”, já que atualmente, passam poucos carros por elas. Este assunto já foi mais bem tratado em outra postagem.


apresentação da proposta de mudanças no sentido de vias


3) Abertura de novas vias – Em duas exposições dos gestores municipais, foram apresentadas as novas vias que estão sendo construídas e as que se pretende construir futuramente. Dentre as futuras, está uma grande malha viária a ser construída na região norte do município. Nas imagens apresentadas, pôde-se ver que as vias estão sendo propostas em áreas completamente desabitadas, o que provocará a expansão da cidade naquela direção. Mesmo havendo muitos vazios na área urbana do município, a Prefeitura de Maceió propõe a expansão sobre a área rural, indo de encontro ao que preceitua o Estatuto da Cidade. Tal expansão é justificada pela Prefeitura como sendo uma ligação entre os bairros do Benedito Bentes e Jacarecica. Além da justificativa não ser plausível, sabemos que há muitos interesses por trás dessa proposta. Quem são os proprietários das fazendas onde passarão as novas vias e que serão extremamente beneficiados (com dinheiro público) pela imensa valorização de seus imóveis? Está sendo levado em consideração todo o custo da infraestrutura (água, luz, esgoto, transporte, etc) que terá que ser destinada a essa “nova cidade” que se pretende construir? Como já foi dito, toda essa infraestrutura será implantada pelas empreiteiras que financiaram as campanhas eleitorais. As empresas de ônibus também expandirão seus negócios, já que terão mais quilômetros para percorrer. Os gestores parecem não estar preocupados com isso. Quem deveria se preocupar com isso seríamos nós. Afinal, o nosso dinheiro (dos impostos) é que será desperdiçado na expansão horizontal da cidade. Mas ainda está no imaginário popular a ideia de que, quanto maior é a cidade, mais desenvolvida ela é. Com isso, todas essas ações têm respaldo político da população. Este assunto também já foi tratado em outra postagem.


malha viária proposta para a região norte do município



área desabitada onde serão construídas novas vias


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Alguns fatos curiosos:

* Durante a apresentação sobre a abertura de novas vias, um secretário municipal chegou a admitir que, com a construção dessas vias, a Prefeitura está apenas “enxugando gelo”. Também chegou a dizer (talvez com muita ingenuidade) que havia conversado com os proprietários das terras onde passarão as novas vias e fizera um acordo de não pagar pela desapropriação da faixa de domínio das rodovias, já que as terras seriam valorizadas. Ora, a valorização que as terras terão será infinitamente maior que o valor que seria pago atualmente pela desapropriação da faixa de domínio. Há um urbanista que diz que as duas atividades mais lucrativas no Brasil são o tráfico de drogas e o mercado imobiliário.

* Durante a apresentação da mudança do sentido das vias, o palestrante chegou a dizer que sabe que essas intervenções têm um prazo de validade, mas lembrou que “este seminário busca soluções para os próximos dez anos”. Ora, não há como planejar uma cidade para 10 anos. Podemos sim apontar ações a serem desenvolvidas nos próximos 10, 20, 30 anos... com o olhar em 50 e até 100 anos. A cidade que temos hoje não é fruto do ano 2000 para cá, mas de várias décadas de estímulo ao uso do automóvel como principal meio de transporte. Os frutos que estão sendo colhidos atualmente por Curitiba, Copenhague, dentre outras, são resultado de várias décadas de estímulo e prioridade a pedestres, ciclistas e ao transporte coletivo.

* Ao que nos parece, há uma falta de interação entre as diversas secretarias do município. Enquanto algumas secretarias (como a secretaria de infraestrutura e a SMTT) continuam estimulando o uso do automóvel, com obras e alterações viárias que facilitam seu deslocamento, outras secretarias (como a de planejamento e de meio ambiente) apontam como solução o estímulo ao uso do transporte coletivo e da bicicleta.

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Os líderes comunitários do Benedito Bentes tentaram fazer algumas reivindicações de melhorias do serviço de transporte coletivo daquele bairro, mas não tiveram atenção dos organizadores do evento. Quase nada se falou em bicicleta como alternativa de transporte, salvo pelo Sr. Douglas Apratto, que se disse encantado com a quantidade de ciclistas que observou em viagem recente à cidade de Grenoble, na França. A bicicleta também foi citada pelo Prof. Sávio Almeida e pela arquiteta Dione Laurindo, da secretaria de planejamento.

O seminário teve início com a ocupação de cerca de 80 % das cadeiras do auditório e terminou com pouco mais que 20 pessoas. Tal esvaziamento, a nosso ver, foi principalmente dos líderes comunitários, especialmente do Benedito Bentes, que, ao perceberem que o formato do seminário não era para ouvir a população, mas para apresentar soluções prontas, desistiram da participação.


esvaziamento do auditório no final do evento

Um fato extremamente desagradável aconteceu no final do evento, que estava previsto para encerrar às 18 h, com a assinatura da “Carta da Cidade de Maceió”. Inesperadamente, e sem qualquer aviso, algumas palestras do horário da tarde foram canceladas e outras foram transferidas para o horário da manhã, “esticando” até as 14h30. Algumas pessoas que saíram para almoçar e retornaram às 14h30 para o período da tarde se surpreenderam com o fim do seminário, sem qualquer menção à “Carta da Cidade de Maceió”.


tentativa de participação da população


Os poucos participantes que permaneceram até o final, saíram do seminário com uma grande interrogação: para que serviu esse seminário?