Há algumas semanas, você já deve ter percebido que a Prefeitura de Maceió está construindo algumas pontes de concreto sobre o riacho do Sapo, no bairro do Poço. A única informação à população, a placa da obra, não diz a que fins serão destinadas essas pontes. Até então não se sabia se seriam pontes para pessoas ou para carros.
Nesta semana, em reportagem da TV Gazeta de Alagoas, o diretor de obras da SMTT, Helder Gazzaneo, esclareceu o mistério. Segundo ele, “foi feito um estudo e detectou-se que muitas ruas do Poço estão ociosas e outras sobrecarregadas, como por exemplo a Comendador Leão e a Pedro Paulino”.
Primeiramente, gostaríamos de saber se algum cidadão pode ter acesso a esse estudo, ao menos para saber qual o referencial teórico que está sendo usado pela SMTT. Segundo: o que Gazzaneo chama de “ociosas” e “sobrecarregadas” nada mais é do que a hierarquização viária, fundamental numa cidade que opta pelo automóvel como meio de transporte.
As ruas apontadas como sobrecarregadas (Comendador Leão e Pedro Paulino) são aquelas onde o tráfego de veículos é maior, onde há mais comércio, mais barulho, menos sossego. As ruas tratadas como ociosas são, na verdade, ruas residenciais, destinadas ao sossego, ao convívio de seus moradores e ao lazer das crianças.
A intervenção proposta pela SMTT só vem confirmar a teoria de que à medida que a frota de automóveis cresce, mais espaços da cidade são consumidos por esses novos carros, tal como um líquido preenche um copo com gelo. Se as ruas principais estão sobrecarregadas, logo aponta-se como alternativa uma rua pacata para que os carros possam passar.
A reportagem cita como exemplo a rua João Omena de Andrade e diz que os moradores estão preocupados com o aumento do fluxo de veículos. Porém, o único morador entrevistado contesta o que diz a reportagem e se posiciona favorável à transformação de sua rua pacata numa rua com tráfego intenso de veículos. Ele utiliza a velha máxima de que "em benefício do progresso, tudo se aceita". Incrivelmente, ainda sugere a redução das calçadas (destinada aos pedestres) para que os ônibus possam circular com facilidade.
Diante de tanto absurdo, nos sentimos obrigados a alertar os maceioenses sobre os erros que estamos cometendo.
Maceió sempre foi famosa por ser uma cidade “pequena” e tranquila (o que alguns costumam chamar, de forma pejorativa, de “provinciana”). Nas últimas duas décadas, com a estabilização da moeda brasileira, a frota de automóveis tem aumentado consideravelmente.
Os fortes laços entre gestores municipais, revendedoras de automóveis e empresas de ônibus têm mantido o status quo de precariedade do transporte coletivo e uma busca incessante em “desafogar” o trânsito de automóveis, para que mais carros possam ser vendidos e colocados em circulação.
Tal ciclo vicioso já foi apontado por diversos autores estudiosos do tema da Mobilidade Urbana:
A imagem mostra que quanto mais espaço damos aos carros na cidade, mais facilidade as pessoas verão em andar de carro e comprarão mais carros, voltando a congestionar novamente as ruas. Portanto, todas essas intervenções apontadas pela SMTT servirão apenas como paliativo para uma melhoria momentânea no trânsito que possa ser demonstrada na próxima campanha eleitoral.
Como exemplo disso, podemos citar a construção do viaduto Ib Gatto Falcão. Além de acabar com um espaço de convívio e encontro de estudantes que pegavam ônibus na (extinta) Praça Bonfim, foram gastas grandes quantias de recursos públicos em uma obra que não tem mais eficácia. Se o objetivo era reduzir o congestionamento, hoje, o congestionamento está em cima do viaduto.
A reportagem diz que a Av. Comendador Leão será convertida em “mão única”. Uma intervenção mais recente já demonstra a ineficácia de tal mudança. Até cinco anos atrás, a Av. Tomás Espíndola tinha duplo sentido. Pedestres tinham facilidade para atravessar, pois venciam um sentido por vez. Foram construídos dois viadutos (ou “passagens de nível” como a SMTT gosta de chamar), a avenida foi convertida em mão única e o congestionamento continua. Quando não está congestionada, tornou-se um grande inferno para pedestres que precisam atravessá-la. Como solução, a SMTT instalou dois semáforos num trecho de 700 m.
Quanto à absurda posição do morador, de defender o aumento do fluxo de veículos em sua rua, gostaríamos que ele (e todos os seus vizinhos) conhecesse(m) o estudo desenvolvido pelo urbanista americano Donald Appleyard. Em sua brilhante obra Livable Streets, lançada em 1981 (há 29 anos!), ele demonstra que quanto mais se eleva o número de veículos em uma rua, diminuem-se os laços de amizade e convívio entre os moradores da mesma.
Por isso, gostaríamos de saber qual o referencial teórico utilizado no estudo da SMTT para que possamos propor um debate entre aqueles que defendem a corrente de Appleyard e aqueles que a opõem.
Também gostaríamos de lembrar que, no vídeo divulgado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, o novo bonde (também chamado de VLT) seguiria do Centro à Mangabeiras pela margem do riacho do Sapo. Será que estas obras que estão sendo realizadas pela SMTT estão vislumbrando o VLT ou depois teremos que desmanchar tudo que foi feito? Isso muito nos interessa (ou pelo menos deveria), afinal, é com o nosso dinheiro que tudo isso é feito.
O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, explica no vídeo o que estão fazendo as cidades que estão olhando para o futuro (e não apenas para o próximo pleito eleitoral):
Resumindo, não é o espaço viário que tem que aumentar para dar lugar à crescente frota de automóveis, é a nossa maneira de nos deslocarmos que precisa mudar. A imagem abaixo mostra o espaço ocupado pela mesma quantidade de pessoas, estando elas em dezenas de carros ou num único ônibus. Entende agora a origem e a solução para os congestionamentos?
Zé Lobo, presidente da ONG carioca Transporte Ativo, compara o alargamento de vias com uma pessoa que está engordando e, em vez de mudar seu estilo de vida, vai fazendo outros furos no cinto para conseguir vestir a roupa. Ou seja, não soluciona o problema, apenas adia.
Quem quiser entender um pouco mais os ideais defendidos pela Bicicletada, pode acessar nosso site.
Para quem quiser entender um pouco mais sobre os benefícios da hierarquização viária, recomendamos acessar este link para conhecer o sistema viário do bairro de Vauban, na cidade de Freiburg, na Alemanha.
Nesta semana, em reportagem da TV Gazeta de Alagoas, o diretor de obras da SMTT, Helder Gazzaneo, esclareceu o mistério. Segundo ele, “foi feito um estudo e detectou-se que muitas ruas do Poço estão ociosas e outras sobrecarregadas, como por exemplo a Comendador Leão e a Pedro Paulino”.
Primeiramente, gostaríamos de saber se algum cidadão pode ter acesso a esse estudo, ao menos para saber qual o referencial teórico que está sendo usado pela SMTT. Segundo: o que Gazzaneo chama de “ociosas” e “sobrecarregadas” nada mais é do que a hierarquização viária, fundamental numa cidade que opta pelo automóvel como meio de transporte.
As ruas apontadas como sobrecarregadas (Comendador Leão e Pedro Paulino) são aquelas onde o tráfego de veículos é maior, onde há mais comércio, mais barulho, menos sossego. As ruas tratadas como ociosas são, na verdade, ruas residenciais, destinadas ao sossego, ao convívio de seus moradores e ao lazer das crianças.
A intervenção proposta pela SMTT só vem confirmar a teoria de que à medida que a frota de automóveis cresce, mais espaços da cidade são consumidos por esses novos carros, tal como um líquido preenche um copo com gelo. Se as ruas principais estão sobrecarregadas, logo aponta-se como alternativa uma rua pacata para que os carros possam passar.
A reportagem cita como exemplo a rua João Omena de Andrade e diz que os moradores estão preocupados com o aumento do fluxo de veículos. Porém, o único morador entrevistado contesta o que diz a reportagem e se posiciona favorável à transformação de sua rua pacata numa rua com tráfego intenso de veículos. Ele utiliza a velha máxima de que "em benefício do progresso, tudo se aceita". Incrivelmente, ainda sugere a redução das calçadas (destinada aos pedestres) para que os ônibus possam circular com facilidade.
Diante de tanto absurdo, nos sentimos obrigados a alertar os maceioenses sobre os erros que estamos cometendo.
Maceió sempre foi famosa por ser uma cidade “pequena” e tranquila (o que alguns costumam chamar, de forma pejorativa, de “provinciana”). Nas últimas duas décadas, com a estabilização da moeda brasileira, a frota de automóveis tem aumentado consideravelmente.
Os fortes laços entre gestores municipais, revendedoras de automóveis e empresas de ônibus têm mantido o status quo de precariedade do transporte coletivo e uma busca incessante em “desafogar” o trânsito de automóveis, para que mais carros possam ser vendidos e colocados em circulação.
Tal ciclo vicioso já foi apontado por diversos autores estudiosos do tema da Mobilidade Urbana:
A imagem mostra que quanto mais espaço damos aos carros na cidade, mais facilidade as pessoas verão em andar de carro e comprarão mais carros, voltando a congestionar novamente as ruas. Portanto, todas essas intervenções apontadas pela SMTT servirão apenas como paliativo para uma melhoria momentânea no trânsito que possa ser demonstrada na próxima campanha eleitoral.
Como exemplo disso, podemos citar a construção do viaduto Ib Gatto Falcão. Além de acabar com um espaço de convívio e encontro de estudantes que pegavam ônibus na (extinta) Praça Bonfim, foram gastas grandes quantias de recursos públicos em uma obra que não tem mais eficácia. Se o objetivo era reduzir o congestionamento, hoje, o congestionamento está em cima do viaduto.
A reportagem diz que a Av. Comendador Leão será convertida em “mão única”. Uma intervenção mais recente já demonstra a ineficácia de tal mudança. Até cinco anos atrás, a Av. Tomás Espíndola tinha duplo sentido. Pedestres tinham facilidade para atravessar, pois venciam um sentido por vez. Foram construídos dois viadutos (ou “passagens de nível” como a SMTT gosta de chamar), a avenida foi convertida em mão única e o congestionamento continua. Quando não está congestionada, tornou-se um grande inferno para pedestres que precisam atravessá-la. Como solução, a SMTT instalou dois semáforos num trecho de 700 m.
Quanto à absurda posição do morador, de defender o aumento do fluxo de veículos em sua rua, gostaríamos que ele (e todos os seus vizinhos) conhecesse(m) o estudo desenvolvido pelo urbanista americano Donald Appleyard. Em sua brilhante obra Livable Streets, lançada em 1981 (há 29 anos!), ele demonstra que quanto mais se eleva o número de veículos em uma rua, diminuem-se os laços de amizade e convívio entre os moradores da mesma.
Por isso, gostaríamos de saber qual o referencial teórico utilizado no estudo da SMTT para que possamos propor um debate entre aqueles que defendem a corrente de Appleyard e aqueles que a opõem.
Também gostaríamos de lembrar que, no vídeo divulgado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, o novo bonde (também chamado de VLT) seguiria do Centro à Mangabeiras pela margem do riacho do Sapo. Será que estas obras que estão sendo realizadas pela SMTT estão vislumbrando o VLT ou depois teremos que desmanchar tudo que foi feito? Isso muito nos interessa (ou pelo menos deveria), afinal, é com o nosso dinheiro que tudo isso é feito.
O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, explica no vídeo o que estão fazendo as cidades que estão olhando para o futuro (e não apenas para o próximo pleito eleitoral):
Resumindo, não é o espaço viário que tem que aumentar para dar lugar à crescente frota de automóveis, é a nossa maneira de nos deslocarmos que precisa mudar. A imagem abaixo mostra o espaço ocupado pela mesma quantidade de pessoas, estando elas em dezenas de carros ou num único ônibus. Entende agora a origem e a solução para os congestionamentos?
Zé Lobo, presidente da ONG carioca Transporte Ativo, compara o alargamento de vias com uma pessoa que está engordando e, em vez de mudar seu estilo de vida, vai fazendo outros furos no cinto para conseguir vestir a roupa. Ou seja, não soluciona o problema, apenas adia.
Quem quiser entender um pouco mais os ideais defendidos pela Bicicletada, pode acessar nosso site.
Para quem quiser entender um pouco mais sobre os benefícios da hierarquização viária, recomendamos acessar este link para conhecer o sistema viário do bairro de Vauban, na cidade de Freiburg, na Alemanha.
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