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sexta-feira, 8 de junho de 2012

Bicicletando em Maceió

 

por Elayne Pontual

Eles viveram em lugares e épocas distintas, mas apesar disso, tiveram, basicamente, a mesma ideia: Leonardo da Vinci na Itália, Lu Ban na China e Karl Von Drais na Alemanha. Estes são os possíveis inventores do popular veículo de duas rodas que circula, até hoje, em diversas cidades do mundo, a bicicleta. Movida por várias etnias, ela tem sido considerada um símbolo de mudança social por se opor aos malefícios provocados pelos automóveis e motocicletas ao meio urbano.

 
Seja por esporte, passeio ou por uma causa humanitária, a bicicleta vem conquistando um espaço cada vez maior nas estradas, avenidas e ruas do planeta (Fotos: Michel Rios)

No início da década de 1990, alguns ciclistas se uniram para exigir seu espaço nas ruas de São Francisco, na Califórnia, uma das cidades mais populosas dos Estados Unidos. O movimento foi denominado Massa Crítica (Critical Mass) e, ainda que existissem vários objetivos para a reivindicação, um ponto específico unia os participantes: mostrar para a população os benefícios de um modelo de cidade onde haja condições favoráveis para o uso de veículos alternativos, além de um sistema de transportes mais ecológico e sustentável. A ideia percorreu diversas cidades do mundo e chegou ao Brasil em 2003, na cidade de São Paulo, recebendo o nome de Bicicletada – assim como em Portugal.

O movimento chegou um pouco mais tarde no território alagoano. Em junho de 2008, Daniel Moura Soares, 29, servidor público da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte, formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), decidiu se unir a uma colega recém-formada em Arquitetura, Fernanda Cortez, para dar início ao movimento que já acontecia há quase 18 anos em outros países.

Participantes da Bicicletada de Maceió distribuem panfletos que incentivam a utilização de transportes coletivos e alternativos

De acordo com Daniel, o que o motivou a tomar a iniciativa foi o conselho dado por uma professora da Ufal, Regina Dulce Lins: “Em suas aulas, ela sempre nos lembrava da função social que nossa profissão deveria cumprir. Dizia que, por estarmos estudando numa universidade pública, mantida com dinheiro da arrecadação de impostos, não poderíamos ser meros profissionais interessados em ganhar dinheiro”. Logo, Daniel entendeu que a sociedade, ao pagar seus estudos, tem o direito de desfrutar do que ele aprendeu durante a graduação: “É essa a contribuição que busco oferecer com a Bicicletada: dedicar um pouco do meu tempo oferecendo o conhecimento que tenho para a melhoria da minha cidade”, diz.

Por conta do nome que o movimento adotou nos países de língua portuguesa, muitas pessoas acreditam que a proposta da Bicicletada se baseia na substituição do automóvel pela bicicleta. No entanto, o veículo, movido pelo esforço do próprio usuário através de pedais, tem suas limitações e, segundo especialistas, deve ser utilizado em percursos de até 6 km. “Em nossas panfletagens e nas reuniões que participamos, buscamos mostrar que a bicicleta não é a única solução. Ela deve ser complementada por um transporte coletivo de qualidade e por calçadas acessíveis para as pessoas circularem (seja a pé, seja com cadeira de rodas)”, explica Daniel.

 
Segundo o arquiteto urbanista Daniel Soares, as maiores reclamações vindas dos ciclistas referem-se à falta de infraestrutura para facilitar o uso da bicicleta (como ciclovias e/ou ciclofaixas) e ao desrespeito dos motoristas.

O urbanista ainda afirma que há pouco incentivo ao cicloturismo no Estado, diferente dos países europeus onde a prática é bastante comum. De acordo com ele, “as rodovias alagoanas, geralmente, tem a pavimentação do acostamento com qualidade inferior ao da faixa de rolamento, possuem um asfalto mais ‘rugoso’ – o que o torna incômodo para o uso da bicicleta – e, comumente, não recebem a mesma manutenção que a faixa de rolamento, ficando repleta de buracos”, diz, completando: “O que vemos é uma cidade construída em função de quem se desloca com automóvel, perpetuando um modelo posto em prática ao longo do século 20, modelo este que inúmeras cidades de outros países já perceberam ser insustentável e tem buscado reverter o quadro”. Apesar disso, Daniel considera as belezas naturais de Alagoas um grande estímulo aos que desejam conhecer rios, cachoeiras e paisagens que, muitas vezes, são inacessíveis para automóveis.

“Não vou ao trabalho de bicicleta porque chegarei suado e lá não tem lugar para tomar banho”. Esse é um dos motivos mais frequentemente dado por aqueles que não tem o hábito de usar a bicicleta como um meio de transporte. Segundo Daniel, existem medidas simples que poderiam ser tomadas pelas empresas como forma de apoio ao uso do veículo como, por exemplo, a instalação de vestiário. Outro fator que contribui para o desestímulo ao uso da bicicleta é a falta de respeito dos motoristas. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, ao ultrapassar um ciclista, o condutor de um veículo automotor deve reduzir a velocidade e passar a uma distância igual ou superior a um metro e meio. “Como o código não especifica a velocidade e como também não há uma forma prática de saber se está a 1,5 metros de distância ou não, é interessante que o motorista se afaste o máximo que puder e passe pelo ciclista o mais lentamente possível”, aconselha Daniel.

 
O uso do capacete não é obrigatório no Brasil, mas está entre um dos itens indicados para a segurança dos ciclistas

Segundo Daniel, grande parte dos ciclistas não conhece o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Com isso, várias pessoas desconhecem seus direitos e deveres e muitas vezes são apontados por motoristas como causadores de sua própria morte. “Por mais que pareça um contrassenso – já que a vítima é que tem que se proteger do agressor –, o mais importante é que o ciclista se faça ver no trânsito: iluminando a bicicleta e usando roupas claras à noite ou com cores chamativas durante o dia; sinalizando com o braço todos os movimentos que pretende fazer, para não ser imprevisível para os motoristas; utilizando capacete (apesar de não ser obrigatório pelo CTB) e dando um grito bem alto em situação de emergência, ao invés de usar a campainha (item obrigatório pelo CTB, mas pouco eficaz)”, adverte Daniel.


Para conhecer todos os trechos onde as bicicletas e os ciclistas são mencionados no Código de Trânsito Brasileiro clique em bicicletada.org/CTB. Neste endereço você também irá encontrar um link para o código completo.

BICICLETADA DE MACEIÓ

Ciclistas se reúnem no Viaduto Aprígio Vilela, no bairro do Farol

Tradicionalmente, toda última sexta-feira do mês, um grupo de ciclista se reúne às 18h, em cima do Viaduto Aprígio Vilela, no bairro do Farol. O local foi escolhido por ter grande visibilidade. O horário também é estratégico, pois às 18h o trânsito está, na maioria das vezes, congestionado, o que facilita a apresentação de faixas, a panfletagem e o diálogo com os motoristas. “Quando perguntamos: ‘O que o senhor acha que deveria ser feito para melhorar o trânsito da cidade?’, muitos respondem: ‘Construir viadutos’. Então prontamente mostramos que ele está num viaduto que foi construído para isso e não serviu para resolver o problema”, diz Daniel.

Na noite do dia 25, aconteceu mais uma edição da Bicicletada de Maceió. Entretanto, desta vez, os participantes resolveram deixar as roupas fitness guardadas e usaram aquele vestidinho básico, no caso das mulheres, ou uma camisa social de manga-longa, no caso dos homens. O Cycle Chic é um movimento originário da Dinamarca e pretende mostrar que é possível integrar a bicicleta à rotina das pessoas, sem que elas precisem alterar o modo de se vestir. De acordo com Daniel, a ideia de colocar em prática o Cycle Chic durante a Bicicletada serviu de impulso para outras ideias. “Na Bicicletada de junho, que será realizada uma semana antes, no dia 22, devido ao feriado do dia 29, já combinamos de nos vestir com trajes típicos de festas juninas”, revela.

Compacta e silenciosa, além de fazer bem à saúde, a bicicleta é um dos meios de transportes mais ecológicos utilizado pelo homem, seguida por skates, patins e outro veículos movido à propulsão humana

Para a estudante de direito e também participante da Bicicletada de Maceió, Vanessa Vassalo, 21, o movimento é importante por permitir que as pessoas saiam do isolamento e da solidão do automóvel e passem a frequentar os espaços públicos, seja a pé, de bicicleta ou no transporte coletivo. “Ao nos isolarmos, deixamos de viver o cotidiano da nossa cidade, deixamos de conhecer pessoas, de conversar, de caminhar por Maceió, de sentir o lugar em que vivemos. Por isso, penso que o correto é utilizar o automóvel só quando for realmente necessário. É um bem que fazemos para a coletividade e para nós mesmos”, diz.