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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A mobilidade e as bicicletas de Amsterdam, ao vivo, 24h por dia

Por Willian Cruz

Para se ter uma leve ideia de como é a vida numa cidade que prioriza outras formas de transporte que não o deslocamento individual em automóvel, vale a pena dar uma conferida nessa webcam (clique na imagem abaixo):

 Imagem da webcam da TERENA em Koningsplein, Amsterdam (Holanda). Clique para ver ao vivo.

Essa câmera transmite ao vivo, 24 horas por dia, o que se passa na Koningsplein, uma praça em Amsterdam (veja no mapa). Você vai notar que são poucos os automóveis, boa parte deles sendo usados para entregas de mercadorias e não para transportar pessoas. Há muitas bicicletas, pedestres e, se você esperar um pouco, poderá até ver passar o bonde (tram) que aparece nessa foto.

Sim, há bondes circulando em várias cidades da Europa. Eles compartilham espaço nas ruas com carros, pessoas, bicicletas e ônibus, como deve ser. O bonde, algo que nos parece arcaico devido à cultura automobilística que se instaurou por aqui, auxilia bastante na mobilidade urbana por ser um transporte de massa, não poluente, com acesso facilitado e horários definidos. Como os carros não atrapalham seu fluxo, ele consegue cumprir razoavelmente bem seus horários.

Saiba mais sobre o tram neste post esclarecedor de Daniel Duclos

Nesse ponto de Amsterdam, as bicicletas circulam junto aos automóveis, em uma ciclofaixa (de transporte e permanente) pintada na lateral da via. Há sempre muitas bicicletas estacionadas na praça, de pessoas que foram a algum lugar por perto. Passam bicicletas por ali o tempo todo, veja nas imagens.

“Ah, mas aqui é diferente…”

Acha que nada disso funcionaria no Brasil? Impossível fazer o brasileiro ter esse nível de civilidade, convivência e educação? Então leia o texto nós não somos dinamarqueses, do Denis Russo, e pense duas vezes.

Fonte: Vá de Bike

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

[EUA] O sistema de transporte de Corvallis abandonou a tarifa de ônibus

 

É só entrar e sentar

Nancy Raskauskas, para Gazzette-Times

Quando Katrina DiFonzo pegou o ônibus na parte do Centro de Corvallis (Oregon, EUA, 50 mil habitantes) onde os carros são proibidos,  ela não precisou parar para colocar as moedas na caixa coletora da tarifa: simplesmente subiu no ônibus e se sentou. Agora, todo mundo que vier a utilizar o Sistema de Transporte de Corvallis (CTS na sigla em inglês), ou o Beaver Bus (ônibus para estudantes), poderá fazer o mesmo.

O CTS passou a operar com tarifa zero no dia 1º de fevereiro, custeada por uma Taxa Transporte aprovada pela Câmara Municipal, que cobrará $2,75 dólares por família mensalmente. A Taxa Transporte é uma das três Taxas para Iniciativas Sustentáveis que, somadas, chegam a $4,05 dólares. As outras duas cobrem o custeio das calçadas e árvores.

A taxa substituiu a parte do orçamento municipal (impostos sobre propriedade) antes destinada para o transporte. Aquele dinheiro agora está disponível para uso em outras áreas, como a biblioteca, os parques e os departamentos de polícia e bombeiros. Além do mais, poupou o fundo de transporte de possíveis cortes (o orçamento municipal está com um déficit de $3 milhões de dólares).

O CTS conta com doze linhas que cobrem diariamente a cidade entre as sete da manhã e oito da noite. O Beaver Bus tem três linhas que operam mais tarde nos dias em que a universidade está aberta, na terça, quinta e sábado, até 2h45 da madrugada. Estudantes e não estudantes podem utilizá-lo.

Linda Hartzell elogiou o novo sistema de transporte sem tarifa enquanto andava num dos ônibus. “Gostei, vou pegar mais ônibus agora”. No entanto, outros sistemas que se ligam ao CTS ainda cobram passagem.

Para Katrina DiFonzo, estudante de arte, muitas pessoas ainda não sabem da novidade. “Deveriam pôr uma placa aqui”, sugeriu, apontando para a estação de transferência. A motorista de ônibus Anna Hook concorda. Viu usuários com o dinheiro separado para pagar a passagem arregalarem os olhos ao ver a placa indicando gratuidade. “É só hoje?”, alguns questionaram. “Eu disse, não, não é só hoje!”

O secretário de Transportes, Tim Bates, justificou a demora em divulgar as mudanças no CTS como decorrência do longo processo para a aprovação das Taxas para Iniciativas Sustentáveis. E também por conta de uma recomendação da Comissão Orçamentária para que as taxas fossem suspensas. “A pior coisa seria divulgar e depois retroceder no último segundo. É uma lei municipal e poderia ter sido desfeita”, concluiu.

Superado este empecilho, a prefeitura divulgou a novidade em outdoors. A frase “Hoje é de graça” piscava nas placas eletrônicas acima dos para-brisas dos ônibus. “Naturalmente esperamos que haja um grande aumento no número de viagens”, disse Bates, e a prefeitura irá monitorar o impacto da tarifa zero no uso dos ônibus.

Tradução por Daniel Guimarães

domingo, 5 de agosto de 2012

Brasileiro propõe incentivo à reciclagem com ideia inovadora

Galileu conversou com jovem paulista que quer usar a reciclagem como crédito para o transporte público. Entenda um pouco mais sobre essa troca que pode mudar a cara da cidade em que você mora

por João Mello

Para Willian, a ausência de dinheiro no processo é sinal dos novos tempos.

Uma ideia simples para um problema complexo. Um não, dois. Transporte e lixo, dois dos principais dramas da cidade grande não têm muita coisa em comum quando olhadas sob a ótica tradicional. Mas cá entre nós: o que a ótica tradicional conseguiu de bom até agora? O jeito é pensar diferente. E se a reciclagem tivesse uma recompensa real e instantânea?

Trocar lixo reciclável por créditos de transporte público. É assim, com uma proposta tão simples que cabe em menos de uma linha, que o designer Willian Sertório pretende subverter a nossa relação com o lixo que produzimos. O nome temporário Meu Lixo, Meu Transporte, foi baseado na música “Meus Filhos, Meu Tesouro”, de Jorge Ben Jor e, por enquanto, trata-se apenas de um projeto. Ele inscreveu a ideia no Creative Sand Box, plataforma de incentivo à inovação do Google que vai dar 35 mil reais para a realização de um projeto inédito criado por brasileiros. Além de patrocinar, a empresar vai emprestar um time de funcionários para ajudar na concretização da proposta. Mesmo que não seja escolhido, Willian está feliz só pela repercussão gerada pelo projeto: “Só queria passar essa idéia adiante, não importa quem a realize”.
 
 
Esse cara quer ver você reciclando suas ideias sobre reciclagem.

Willian é formado em cinema e teve a ideia durante os tempos de grana curta na faculdade. Na conversa com a Galileu, ele falou da importância dos catadores de lixo, da ideia de armazenar a energia produzida aos montes nas academias de ginástica e da ineficácia da política convencional. “Deveriam lançar uma plataforma livre para as eleições. Cada político concorreria de maneira independente, de forma que o melhor político ganhe, não o que tem mais dinheiro”, afirmou.

Como surgiu sua ideia?

Willian Sertório: Foi na faculdade. No primeiro ano, estava desempregado e vivia duro. Era bolsista. Um dia resolvi ir ao Bom Prato que ficava do lado do campus. Sabia que estava tirando a vez de alguém que realmente precisava, mas achei que a experiência seria válida. Na hora de pagar, ou você dava R$ 1,00 ou trocava 10 latinhas por um almoço. Achei o máximo e pensei que isso poderia se aplicar de alguma forma ao transporte público. O ponto é: aquela refeição não custou R$ 1,00, muito menos 10 latinhas. Houve um subsídio do governo para que aquele alimento chegasse para aquelas pessoas naquele preço acessível e com aquela qualidade. Houve um incentivo.

Você pode descrever sua proposta?

Willian Sertório: O "Meu Lixo, Meu Transporte" usa duas falhas em prol do bem comum. Uma é a preguiça da maioria das pessoas em reciclar. E outra é o abusivo preço do transporte público, que não é tão público assim. A idéia é criar bancos de coleta de material reciclável que sejam trocados por crédito para transporte público. É importante deixar claro que a idéia não tem a intenção de resolver o problema de transporte nas grandes cidades, é apenas um estímulo para a reciclagem.

Esse projeto parece fazer mais sentido para cidades grandes. Você mora em São Paulo?

Willian Sertório: Moro em Mogi das Cruzes. Mas como estudei 4 anos em São Paulo, indo e voltando de trem, também acredito que o projeto faça mais sentido para cidades grandes. No entanto, acho que de início seja adequado aplicá-lo em cidades pequenas, para “sentir” melhor.

Nos comentários do Creative Sandbox dá pra ver que todo mundo gostou da ideia, tem elogiado bastante. Você esperava essa acolhida? Acha que as pessoas ansiavam por um projeto como esse?
Willian Sertório: Não esperava. Fiquei muito surpreso com o acolhimento das pessoas, de verdade. E me considero realizado: só queria passar essa idéia adiante, não importa quem a realize, quando ou onde. Gostaria de ver o hábito de reciclar finalmente inserido no cotidiano das pessoas.

Qual você acha que pode ser o alcance do seu projeto? Qual dimensão você imagina pra ele?

Willian Sertório: Acredito que, de início, seja interessante implementá-lo em uma cidade menor, para servir de laboratório e ir atualizando ele conforme a necessidade das pessoas. Depois partiríamos para uma cidade de maior porte. Por ser designer, sei que não existe fórmula pré-fabricada para sucesso, e que cada público se comporta de um jeito. Portanto, é necessária muita pesquisa e análise antes de implementar em um novo lugar.

Você pensa em desdobramentos para o Meu Lixo, Meu Transporte? Quais elementos poderiam ser agregados ao projeto inicial?

Willian Sertório: No Sandbox, comentaram sobre os catadores, que eles poderiam ficar "sem emprego". Não acredito que isso aconteceria, mas um desdobramento do projeto seria incluí-los no processo, a fim de melhorar a qualidade de vida deles. Talvez incluí-los como agentes, quiçá professores. Temos muito que aprender com eles.

Não dá para ignorar o aspecto político da sua proposta.Você acha que a política convencional tem algum futuro, ou melhor, pode mudar o futuro?

Willian Sertório: Acho que partidarismo não tem futuro algum. Deveriam lançar uma plataforma livre para as eleições. Cada político concorreria de maneira independente, de forma que o melhor político ganhe, não o que tem mais dinheiro ou tempo de exposição. Voto não deveria ser obrigatório, não se obriga alguém a exercer um direito, não é? Gosto também de iniciativas feitas das pessoas para as pessoas, dá pra chamar atenção, mas dificilmente resolvem problemas, no máximo mudam hábitos. Problemas só podem ser resolvidos com investimento pesado do governo: saúde, educação, saneamento, transporte. E como diria João Whitaker, isso não é gasto, é investimento. Você investe na sua população. Gasto com educação não existe, é absurdo dizer isso.

Você acha que os políticos nos representam?

Willian Sertório: Vejo a democracia mais como um ritual do que como um instrumento. Se fosse um instrumento, nossos protestos seriam ouvidos e teríamos (mais) ferramentas para nos organizar e ajudar a construir a cidade. Da forma como é hoje, é tudo muito confuso e difícil para entendermos os processos e nos envolvermos. Além de reforma agrária, educacional e tantas outras, precisamos de uma reforma política, que valorize a participação popular além do voto. A participação política deve ser constante.

Qual seria a infra-estrutura necessária para o projeto?

Willian Sertório: De início, a idéia é basicamente aproveitar infra-estruturas existentes o máximo possível, apenas equipando-as com quiosques para inserção de créditos. Ecopontos, cooperativas de catadores: locais que já recebem material reciclável e sabem separá-lo de acordo. A maior complexidade seria a questão do subsídio público, uma tabela de valores (como no Bom Prato) que seja justa e acessível, estimulando a população a separar seu material reciclável.

No seu projeto, o dinheiro é substituído por créditos de reciclagem. Tirar o dinheiro foi uma necessidade ou algo deliberado?

Willian Sertório: Acho que é um movimento da economia. No mundo todo o capitalismo está regredindo e as relações de troca estão voltando à tona, como era na Idade Média. Creio que tirar o dinheiro de cena seja só um sintoma do nosso tempo. Além disso, temos o imenso problema do lixo, que embora todo mundo seja consciente, poucos são sensibilizados pela causa. Se a pessoa não vê vantagem em curto prazo em uma atitude, é difícil ela se adaptar a um hábito. Um livro bacana sobre isso é o “Previsivelmente Irracional”, do Dan Ariely.

Qual você acha que seria a reação do governo e das companhias de ônibus ao se depararem com a ausência de dinheiro em um processo tradicionalmente tão lucrativo quanto o transporte público?

Willian Sertório: Eu sou da turma que estranha o fato de termos escola pública, saúde pública, lazer público (todos carentes) e não termos efetivamente transporte público. É uma questão de vontade política fazer com que sua população circule gratuitamente pela cidade. Em Hasselt, Bélgica, isso já é realidade desde 1997. Tudo bem que a Bélgica é um país menor e de primeiro mundo, mas como define o sociólogo João Alexandre Peschanski: cobrar tarifas pelo uso de transporte público é uma injustiça econômica. Se o serviço beneficia a todos, por que só uma parcela paga por ele? Transporte público gratuito não é utopia.

Se o projeto não ganhar o prêmio no Creative Sandbox, você pretende levar ele adianta de outras maneiras?
Willian Sertório: Sim, pretendo continuar desenvolvendo-o em outras plataformas. Independente do resultado, acho que foi um jeito bacana de passar essa ideia pro maior número possível de pessoas, fazê-las pensar "por que não?".

Você inscreveu seu projeto no Google Creative Sandbox. Pensou em inscrevê-lo em outras plataformas, como o KickStarter ou o Catarse (plataformas de crowndunding)?
Willian Sertório: Agora a idéia é apenas um embrião. Acho que o Kickstarter e o Catarse não são para projetos como o meu, que é uma idéia de sistema, mais abstrata. O que mais me interessou no Creative Sandbox foi a possibilidade de poder contar com coaching da equipe do Google, caso o projeto vença. Esse conhecimento, essa troca, que me estimulou a inscrever o projeto. A assessoria desses profissionais vai enriquecê-lo e norteá-lo.

Quanto você acha que a implementação do projeto custaria no total?

Willian Sertório: Difícil mensurar agora, nessa etapa do projeto onde o capital humano é o mais necessário. Em um segundo momento, acho que a questão de valores ficaria mais clara.

Você tem outros projetos ou ideias mais ou menos nesse mesmo sentido?

Willian Sertório: Estava imaginando se fosse possível armazenar a energia que as pessoas gastam nas academias. Antigamente, com a escravidão, os escravos tinham que "se exercitar" para mover máquinas e afins, o que era extremamente terrível e brutal. Hoje as pessoas se exercitam voluntariamente e em série nas academias, e vejo essa energia sendo desperdiçada. Já pensou equipamentos de ginástica que armazenassem a energia que você gastou neles? Vou começar a pesquisar sobre.

Clique aqui para votar no Meu Lixo, Meu Transporte no Google Creative Sandbox


 
 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Condomínio e utopia


Por Golbery Lessa

O condomínio residencial é uma das mais inconsistentes utopias já inventadas. Uma parte da elite econômica levanta muralhas contra o resto da cidade e obriga-se a construir casas sem muros, num estilo arquitetônico marcado pela possibilidade de o transeunte enxergar várias dimensões do cotidiano dos moradores. A mensagem utópica é clara: aqui se vive uma interação perfeita entre individualidade e comunidade, entre indivíduo e sociedade civil, nesse solo prevalecem os princípios republicanos da transparência, da fraternidade e da liberdade, aqui se chega mesmo a roçar as franjas do socialismo. O nomes desses condomínios são sínteses lingüísticas dessa utopia.

Visitei uma casa na qual um pequeno gramado com menos de dez metros separava a calçada e uma parede externa com setenta por cento de sua área feita de vidro. Como o dono da casa deve se sentir diante de tal interação compulsória com o espaço coletivo, mesmo sendo um lócus de sua classe social? Por que ele se presta ao evidente incômodo de ter sua vida potencialmente devassada diuturnamente pelo olhar de quem passa?

Esse indivíduo tem necessidade de ver e viver sua utopia liberal, aquilo que justifica e empresta sentido à sua sede de lucro, mas a realidade do capitalismo contemporâneo levanta cidades caóticas e refratárias a qualquer aparência de utopia. A elite mercantil inviabilizadora de políticas urbanas racionais é ela mesma vítima do caos da urbe; vende até a corda na qual se enforcará, destrói a própria utopia justificadora de sua visão de mundo. Inventa, então, um pouco consciente e um pouco inconscientemente, uma farsa de utopia: o condomínio residencial.

O mesmo comerciante maceioense destruidor de fachadas com valor arquitetônico paga caro para o seu condomínio ter uma paisagem sem qualquer referência ao comércio. O industrial poluidor dos rios pode ser visto regando as plantas. O latifundiário monocultor não constrói cercas ao redor do seu jardim, contradizendo a lenda rousseauniana sobre o nascimento do direito de propriedade. Ocorre uma transformação geral, o novo homem surge no interior daquele perímetro cercado por guaritas, vigilantes e cercas elétricas.

Muitos acreditam morar ali por mero status, simples ostentação de riqueza, ou para enturmar-se de modo seguro com sua classe social, garantindo lazer, “bons casamentos” para os filhos, bem-estar arquitetônico, distanciamento dos pobres e segurança. Mas para isso não seria necessário a árdua construção de uma aparência de utopia. A utopia igualitária e exibicionista dos condomínios não é funcional para nada disso. Ela é, essencialmente, uma busca desesperada por coerência moral e sentido para a vida efetivada de maneira farsesca por uma classe sem mais possibilidades objetivas de ter coerência e sentido na sua prática e na sua subjetividade.