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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Mobilidade por Bicicleta

Ensaio crítico apresentado no Curso de Gestão da Mobilidade Urbana da ANTP

por  Fernanda Cortez da Silva*

O conceito de mobilidade urbana no Brasil estruturou-se, e hoje caminha em direção à sua consolidação junto às políticas de desenvolvimento das cidades. O deslocamento motorizado individual desmedido é um dos elementos que vem acelerando o colapso entre o público e o privado, consolidando os "territórios urbanos de passagem”, onde as ruas transformaram-se em espaços dedicados unicamente ao fluxo de veículos motorizados, com pedestres e ciclistas confinados em calçadas estreitas e nos bordos das vias de rolamento.

Neste contexto, a bicicleta assume o papel essencial para a qualidade de vida, onde acima de tudo ela é um veículo que facilita a mobilidade em pequenos deslocamentos e traz as pessoas às ruas para o usufruto dos espaços públicos urbanos, configurando-se como um meio de transporte sustentável, não poluente e saudável, pois coloca o corpo em movimento, possibilitando a associação de uma atividade física à função de transporte, assim como não ocupa muito espaço público urbano.

A bicicleta é um dos veículos mais utilizados no país, no ano de 2010 já se tinha um total de 65 milhões de veículos, 50% são utilizados predominantemente como meio de transporte. Mesmo com um volume tão expressivo de veículos no país, ela ainda é vista por muitos, inclusive profissionais da área de transporte e trânsito, como um brinquedo para crianças, instrumento de competição esportiva ou veículo exclusivo para o deslocamento de pessoas de baixa renda. O potencial da bicicleta como modal de transporte diário não é explorado na maioria das cidades brasileiras. Este fato não pode ser explicado tecnicamente, pois a maior parte das viagens realizadas no país (41%) é por modos não motorizados de deslocamento.

Um fato importante que vem trazendo benefícios à mobilidade por bicicleta é a participação da sociedade civil através de alguns grupos, como Organizações Não Governamentais (ONGs), Associações e grupos ativistas, pois estes cooperam para dar visibilidade à questão. Dessa forma, a participação popular tornou-se imprescindível como forma de exercer pressão sobre os órgãos públicos quanto ao desenvolvimento de planejamento, projetos e implantação de infraestrutura cicloviária, assim como de campanhas educativas que sejam criadas de acordo às determinações do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Dados referentes ao uso e ao consumo da bicicleta no país ainda são precários e existem poucas cidades que possuem informações sobre a demanda de transporte por bicicleta. Ainda não é prática usual do setor de planejamento de transporte e do trânsito das cidades brasileiras realizarem pesquisas sobre o uso da bicicleta, mas esses estudos já vêm sendo realizados, principalmente, por Associações locais de ciclistas, ONGs e pesquisadores (BRASIL, 2007).

Ocorreram importantes transformações socioeconômicas que mudaram o perfil do usuário da bicicleta em todo o país e que devem ser consideradas. De acordo com GEIPOT (2001), algumas delas influíram a favor do maior uso desse veículo, como o empobrecimento das populações urbanas, especialmente as que habitam a periferia das grandes cidades, fenômeno associado à redução relativa do número de trabalhos formais e, inversamente, ao aumento dos trabalhos informais e dos trabalhadores autônomos; mudanças no uso do solo, como a intensificação do uso nas áreas centrais e adjacentes; e a expansão desordenada da periferia. Outras transformações atuaram em sentido contrário, como aumento da renda de algumas camadas da população, em geral as que tiveram acesso ao ensino de melhor qualidade, e estas vem optando pelo automóvel particular, não só pela melhor mobilidade propiciada pelo veículo, como pela sensação de ascensão social associada ao seu uso (GEIPOT, 2001).

De acordo com a Comissão Europeia (2000), alguns estudos revelam que a escolha de um meio de transporte como a bicicleta depende tanto de fatores subjetivos (como a imagem de marca, aceitação social, sentimento de insegurança, reconhecimento da bicicleta como meio de transporte de adultos, etc.) como de fatores objetivos (rapidez, topografia, clima, segurança, aspectos práticos). No Brasil, para as classes baixas, observa-se empiricamente que os fatores objetivos são os que se sobrepõem, pela questão da sobrevivência. Para as classes médias e altas, os fatores subjetivos destacam-se pela aceitação social e status de utilização dos transportes urbanos.

A bicicleta como veículo de uso diário para transporte apresenta-se em uma posição delicada. Dentre os usuários estão aqueles que, se pudessem, provavelmente comprariam um veículo motorizado (em função da melhor mobilidade atual por meio desse modal) e, dentre os não usuários, aqueles que se tornaram dependentes da utilização do automóvel para qualquer deslocamento. Nesse contexto, os espaços cicloviários necessitam ser criados e/ou tornados mais atraentes aos citadinos do que os espaços destinados aos deslocamentos por veículo automotor individual, buscando desenvolver políticas e projetos a fim de gerar um processo de incentivo a este modal de deslocamento.

No setor de transporte, o grande causador dos congestionamentos diários é o trajeto de casa para o trabalho e para a escola, uma vez que estes ganharam distanciamento físico após o advento do automóvel e dos modernos planos urbanos. Observa-se empiricamente que a escolha do modo de deslocamento dá-se de formas distintas, mas também associadas e quatro delas são levantadas neste como de maior relevância. A primeira é a condição econômica do indivíduo, a segunda é a qualidade oferecida nos transportes públicos, a terceira é a imagem que a mídia ajuda a implantar no imaginário coletivo como a melhor alternativa e mais bem sucedida de deslocamento e a quarta, é a qualidade do ambiente urbano.

Apesar de a frota de bicicletas do Brasil ser uma das maiores do mundo, ainda há pouca infraestrutura cicloviária e muitas pessoas não utilizam a bicicleta para seus deslocamentos diários, tanto pela falta de segurança em circular com este veículo diante de um trânsito que ocorre em espaços não amigáveis ao uso de meios de deslocamento não motorizados.

O CTB, de 1998, insere a bicicleta como um meio de transporte, assim como as regras para sua utilização, mas daquele ano para os dias atuais manteve-se a existência de um abismo entre o que diz o Código, Políticas Públicas e ações efetivas de infraestrutura para a utilização deste veículo, assim como planos de educação continuada nas escolas e fiscalização de trânsito afim garantir os direitos e também os deveres dos ciclistas.

A nova Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, que denota importância de priorização aos modos não motorizados de deslocamento, como a bicicleta e a obrigatoriedade da execução de novos Planos de Mobilidade Urbana para as cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes podem abrir novos horizontes de possibilidades na área de circulação e uso dos espaços públicos urbanos.

Nesse ínterim, devem ser criados dentro dos Planos de Mobilidade Urbana, os planos setoriais, onde será tratada a mobilidade por bicicleta. Eis a oportunidade de buscar toda sorte de dados primários e secundários, pesquisas de origem e destino e desenvolver planos cicloviários para cada cidade, fazendo a associação de ciclovias, ciclofaixas, passeios compartilhados, ciclorrotas, tratamento das interseções, ciclofaixas de lazer (para reforçar a imagem positiva da bicicleta perante a sociedade), programa de bicicletas de aluguel, a fim de conectar estações de transporte público aos polos de atração de viagens, paraciclos e bicicletários, campanhas educativas nas escolas e campanhas de comunicação social para todo o território urbano e metropolitano.

Em síntese, o momento atual é propício a mudanças e a aceitação da bicicleta como veículo urbano é sim cultural, ou seja, uma construção social e como tal, pode ser trabalhada através de correlação de forças, políticas públicas e reforço de uma imagem positiva perante a sociedade.



*Fernanda Cortez da Silva - Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade. Assessora Especial de Transportes Urbanos / SMTT-MCZ - Maceió/AL



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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério das Cidades. Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta. Coleção Bicicleta Brasil. Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade por Bicicleta nas cidades. Caderno 1. Brasília: Secretaria Nacional de Transportes e da Mobilidade Urbana, 2007. 232 p.

COMISSÃO EUROPÉIA. Cidades para Bicicletas, Cidades de Futuro. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2000. 61 p.

GEIPOT.  Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes. Manual do Planejamento Cicloviário.  3.ed. ver. e amp. Brasília: GEIPOT, 2001.

 
Fonte: ANTP