Have an account?

domingo, 19 de março de 2017

Viaduto da PRF

  
Por que esse viaduto será construído agora, em 2017, e não foi construído 40 anos atrás, quando esse cruzamento de rodovias foi projetado? Por que a AL-101 Sul foi duplicada em 2012 e não já nasceu duplicada em 1979, quando a ponte Divaldo Suruagy foi construída? A resposta é simples: Porque a frota de automóveis daquela época era menor que a de hoje. E se a frota continuar a crescer, o que vamos fazer? Triplicar a rodovia? Construir um viaduto em cima do viaduto? Para onde Maceió está caminhando? Estamos planejando a cidade ou apenas "enxugando gelo"?
   
  

Na década de 1940, a população de Maceió era de cerca de 80 mil habitantes e os limites da mancha urbana iam até as proximidades do Cepa. Na década de 1980, a população girava em torno de 400 mil habitantes e a cidade alcançava a região do Tabuleiro do Martins. Hoje, a cidade ultrapassa 1 milhão de habitantes e os conjuntos habitacionais de baixa renda (destinado às pessoas que não conseguem adquirir imóveis submetidos às leis de mercado) são construídos nos limites entre Maceió e Rio Largo. Mas por que as pessoas precisam morar tão longe? Está faltando terrenos na cidade? Não. Os terrenos estão especulados e as pessoas mais pobres não conseguem pagar. E não há como combater a especulação imobiliária? Há. O Estatuto da Cidade (lei de 2001) apresenta instrumentos para isso, que devem ser aplicados nos Planos Diretores (o de Maceió é de 2005). E por que esses instrumentos não são aplicados? Porque os "representantes eleitos pelo povo" (prefeito, vereadores, deputados...) têm fortes laços (leia-se: têm suas campanhas eleitorais financiadas) com os proprietários desses terrenos (quando não são os próprios donos).
 
    
Então, o cruzamento das rodovias BR-104 e BR-316, que até as últimas décadas funcionou bem com uma simples rotatória, agora englobado pela mancha urbana, apresenta saturação de automóveis nos horários de pico. As rodovias AL-101 Norte e Sul, que não precisavam ser duplicadas quando foram construídas, servirão como vetores de expansão dos negócios do mercado imobiliário após a duplicação.


Entre 2002 e 2008, a Prefeitura de Maceió construiu quatro viadutos na cidade (um no Poço, dois no Farol e um em Mangabeiras). Hoje, uma década depois, esses viadutos já estão saturados de automóveis e perderam sua função. É o mesmo que acontecerá com as rodovias AL-101 Norte e Sul e com o viaduto da PRF nas próximas décadas. É o que Jane Jacobs chama de "erosão da cidade pelos automóveis": aumento da frota de automóveis, expansão horizontal da cidade, descaracterização do patrimônio arquitetônico e urbanístico dos bairros, das comunidades, da cidade..., em contraposição ao que ela também chama de "redução dos automóveis pela cidade": evitar a necessidade de deslocamentos em automóveis, estimulando o transporte coletivo, a bicicleta, o caminhar...
    
O candidato promete, na campanha eleitoral, a construção do VLT, do BRT e todas essas siglas que deixam as pessoas curiosas em saber o que é e esperançosas de que seus deslocamentos pendulares (periferia-centro-periferia) terão um alívio (pois já se conformaram que não podem morar nos terrenos próximos da área central). Mas como essas obras custariam bilhões de reais e a cidade dependeria de recursos federais (que não virão nem tão cedo, nesse montante), a dinastia Calheiros precisa apresentar alguma(s) obra(s) para servir de portfólio nas eleições de 2018 e para manter o caixa das empreiteiras (que vão financiar as próximas campanhas) abastecido. Então já que as soluções bilionárias do VLT e BRT não virão, jogam as "soluções" milionárias do viaduto da PRF, da duplicação da AL-101 Norte, do tal "eixo viário do Cepa"... E a população (que não estudou urbanismo e não parece estar muito preocupada com o desperdício de recursos públicos e/ou com seu uso em benefício de empreiteiras e da especulação imobiliária) aplaude e acredita que viadutos e duplicação de rodovias vão melhorar a mobilidade urbana.
 
Por volta de 2009/2010, quando a frota de automóveis de Maceió crescia vertiginosamente, estimulada pelos incentivos fiscais do governo federal, a imprensa vivia procurando urbanistas para dizerem qual seria a solução para a mobilidade urbana, ao que sempre respondiam sobre a cidade compacta, o aumento da densidade populacional, o incentivo ao transporte coletivo, à bicicleta, ao caminhar...
   
Com a atual crise econômica, parece que o problema da mobilidade (que é entendido pelos motoristas como sinônimo de congestionamento, pouco importando se o pobre leva 2 horas para ir de ônibus da periferia ao Centro, gastando 1/4 do salário mínimo) deixou de existir. Aí o governo constrói um viaduto aqui, duplica uma rodovia ali... e, daqui a algumas décadas, a próxima geração de urbanistas será convidada pela imprensa para responder aos mesmos questionamentos que faziam em 2009/2010 e assistiremos à reprise desse filme.

  
Maceió não chegará a um ponto em que irá travar totalmente (na verdade isso já acontece em alguns pontos da cidade em determinados horários). O que acontece é que a cidade vai se adequando ao automóvel e buscando áreas cada vez mais distantes para ocupar e para manter a baixa densidade populacional que favorece os deslocamentos por automóvel. Maceió vai ficando cada vez mais parecida com Los Angeles e São Paulo e cada vez menos parecida com Paris e Barcelona, no que se refere à densidade populacional. É apenas uma questão de escolhas, de como os cidadãos querem que os recursos públicos sejam gastos, se com asfalto, viadutos, pontes, túneis, semáforos, tratamento de doenças provocadas pelo estresse e pela poluição, etc. ou com praças, parques, museus, escolas, calçadas arborizadas, ciclovias, etc. Esse ano de 2017 é ano de debater o PPA 2018-2021. Vamos ver quais serão as prioridades "escolhidas pela população".