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sexta-feira, 9 de maio de 2014

O espraiamento de Maceió

 
por Daniel Moura

A palavra “espraiamento” não deve ser muito conhecida da maioria das pessoas, mas tem grande relação com outra palavra que está na boca de qualquer cidadão que habita médias e grandes cidades brasileiras: trânsito. O termo “espraiamento urbano” é utilizado por urbanistas para designar o processo de expansão horizontal das cidades, com baixa densidade de ocupação, provocado principalmente pelo uso do automóvel em grande escala.

A urbanização brasileira ocorreu no mesmo período em que o automóvel foi paulatinamente introduzido no país, a partir da década de 1930 e, com mais intensidade, a partir da segunda metade do século XX. À época, acreditava-se que o automóvel seria o transporte do futuro e que, um dia, todo cidadão teria seu próprio veículo para se deslocar. Essa ideia foi trazida dos Estados Unidos para o Brasil e aplicada pelo urbanismo modernista, tendo como principal expoente a cidade de Brasília.

O documentário Taken For a Ride apresenta o lobby que foi feito nos Estados Unidos para substituir os bondes por automóveis. As cidades brasileiras seguiram o mesmo caminho e Maceió não foi diferente. Até o final da década de 1930, Maceió tinha uma frota de cerca de 400 automóveis, 400 carroças, 100 bicicletas e 17 motocicletas. O serviço de bondes interligava o núcleo central às diversas localidades periféricas. Sua população girava em torno de 75 mil habitantes, segundo o recenseamento de 1920. Cerca de 30 bondes transportavam pouco mais de 8 milhões de passageiros anualmente, o que representava um uso de 15% da população, se considerarmos duas viagens realizadas por dia.


A ocupação urbana consistia basicamente no que é apresentado na imagem acima à esquerda. Na imagem da direita é possível ver o que representa a ocupação atual de Maceió, comparada com a década de 1930. Sua população beira 1 milhão de habitantes, a frota de automóveis já ultrapassa as 150 mil unidades, a de motocicletas já beira 50 mil (segundo dados mais atuais) e o percentual de usuários do transporte coletivo é semelhante ao da década de 1930, porém com uma cidade com dimensões que não podem mais (ou não deveriam) ser vencidas a pé ou de bicicleta.


Está aí um dos principais problemas ocasionados pelo espraiamento urbano: o aumento das distâncias a serem percorridas. Quando o transporte coletivo sobre trilhos (o bonde, que circulou em Maceió até 1956) ditava a ocupação da cidade, esta tendia a ser mais compacta, já que todo mundo preferia morar próximo das linhas de bonde. O automóvel e o ônibus, ao mesmo tempo que permitiram que as pessoas fossem morar em localidades mais distantes (em função da especulação imobiliária), tornou a cidade dependente deles.

  
A imagem acima ilustra bem o que se diz. É uma imagem de satélite do estádio do San Francisco 49ers, time de futebol americano da cidade estadunidense de mesmo nome. Perceba a diferença entre o espaço ocupado pelas pessoas (arquibancada) e o espaço ocupado pelos carros que levaram as pessoas até o estádio (estacionamento). Imagine como seriam mais compactas as cidades se as pessoas se locomovessem mais a pé, de bicicleta ou por transporte coletivo (que é rotativo, ou seja, não demanda imensas áreas de estacionamento na origem e no destino da viagem).

A política de construção de habitação para a população de baixa renda que foi adotada pelo Banco Nacional da Habitação durante a ditadura militar visava à ocupação das áreas periféricas da cidade e continua sendo aplicada pelo programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, em que as construtoras buscam áreas periféricas, com terras mais baratas, para garantir maior lucratividade aos empreendimentos, sendo desconsiderado o Estatuto da Cidade, lei de 2001, que visa, entre outras medidas, o combate à especulação imobiliária.

No início desta semana, aconteceu, na Universidade Federal de Alagoas, a 2ª Oficina sobre o Quadro de Paisagismo e Sistemas de Espaços Livres Urbanos e a Constituição da Esfera Pública Contemporânea no Brasil — Quapá / SEL, em parceria entre o Núcleo de Estudos Morfologia dos Espaços Públicos – MEP, da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design, da Universidade Federal de Alagoas – FAUD/Ufal e o Laboratório da Paisagem do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo — FAU/USP.

Para embasar os debates realizados durante a oficina, foi feito um levantamento aerofotográfico da cidade de Maceió, englobando o trecho onde há certa conurbação com a cidade de Rio Largo. O mesmo levantamento fora realizado em 2007, quando da realização da 1ª oficina. O que chamou bastante a atenção dos participantes dessa 2ª Oficina foi o surgimento de inúmeros conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida na área periférica de Maceió.


Tinha-se conhecimento dos inúmeros conjuntos produzidos pelo programa Minha Casa Minha Vida em Maceió, mas a visão aérea mostra a real dimensão daquilo que vem se incorporando à malha urbana da cidade. São verdadeiras cidades que vêm sendo construídas na periferia de Maceió. Há conjuntos com mil unidades, duas mil unidades e, o maior deles, com até seis mil unidades, que comportará, em média, 18 a 24 mil moradores que, se fosse um município, estaria entre os 30 a 40 mais populosos, do total de 102 municípios alagoanos.


Alguns conjuntos também vêm sendo construídos na região de relevo acidentado que fica entre o bairro do Benedito Bentes e o bairro de Guaxuma, como é o caso do Conjunto José Aprígio Vilela. Há cerca de dois meses, os moradores do recém-inaugurado conjunto protestaram em frente à SMTT por não haver linhas de ônibus disponíveis para o referido conjunto.
 

Ironicamente, a Prefeitura de Maceió publicou, em seu site (backup), depoimento do superintendente da SMTT que culpa as construtoras por não terem seguido o que preceitua o Art. 93 do Código de Trânsito Brasileiro — CTB: “nenhum projeto de edificação que possa transformar-se em pólo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e sem que do projeto conste área para estacionamento e indicação das vias de acesso adequadas”. Ora, mas quem permite a construção dos conjuntos habitacionais não é a própria Prefeitura?
  

Também é prevista a construção de uma avenida ligando os bairros de Benedito Bentes e Guaxuma, passando pela região de relevo acidentado do município de Maceió. A obra já se arrasta desde a gestão do prefeito Cícero Almeida e, se realizada, induzirá a ocupação da região, com loteamentos regulares no topo dos morros, como é o caso do Conj. José Aprígio Vilela e uma provável ocupação irregular das encostas, devido à facilidade de acesso e disponibilidade de infraestrutura.

Novos empreendimentos planejados para o entorno do shopping center construído no bairro de Cruz das Almas / Edifícios construídos no bairro de Garça Torta
 
Além dessa expansão horizontalizada da cidade, há também uma tendência de expansão da verticalização que hoje está concentrada nos bairros de Ponta Verde e Jatiúca, em direção ao bairro de Cruz das Almas e demais bairros do litoral norte de Maceió, sobrecarregando a já congestionada rodovia AL-101 Norte.

Há um grupo no Facebook denominado Trânsito Maceió, onde em meio a poucas discussões produtivas, predominam imagens de acidentes e de congestionamentos de trânsito, fotografadas dos telefones celulares de motoristas que estão imóveis dentro de seus automóveis (o trocadilho não foi intencional). Selecionamos algumas imagens mais recentes que mostram o colapso das principais avenidas da cidade, como a Av. Fernandes Lima e Av. Menino Marcelo, nos horários de pico.

Av. Fernandes Lima congestionada. Fonte: Trânsito Maceió
 
Av. Menino Marcelo congestionada. Fonte: Trânsito Maceió / Trânsito Maceió
   
Ônibus lotado. Fonte: Trânsito Maceió
 
O Governo do Estado (que encerra seu mandato no final deste ano) e a Prefeitura de Maceió (ambos do mesmo partido) apresentam, como soluções conjuntas para a Mobilidade Urbana em Maceió, projetos estruturantes de transporte coletivo, como a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos — VLT na Av. Fernandes Lima e o Bus Rapid Transit — BRT na Av. Menino Marcelo, bem como a construção de um viaduto no cruzamento das duas avenidas, diversos viadutos e avenidas no Vale do riacho Reginaldo e a duplicação da rodovia AL-101 Norte.

Obras planejadas pela atual gestão municipal. Fonte: Prefeitura Municipal de Maceió
 
É importante frisar que os problemas de Mobilidade Urbana que vêm travando cada vez mais a cidade, prejudicando sua economia e tomando tempo e dinheiro dos cidadãos não foram criados e não serão resolvidos apenas durante a atual gestão municipal. É importante frisar também que as obras planejadas pela Prefeitura de Maceió e pelo Governo do Estado não são fáceis e rápidas de serem executadas. Contudo, quanto mais tempo demora a se começar, mais tarde irá terminar.

Portanto, com todo o processo de expansão imobiliária que vem acontecendo em Maceió e as soluções que vêm sendo apresentadas pelo poder público municipal e estadual, ainda apenas no campo das ideias, para a Mobilidade Urbana, deixamos alguns questionamentos:

1) O VLT e o BRT, quando concluídos (em 2016? 2018? 2020?...) darão conta de movimentar todo o contingente populacional que os novos conjuntos habitacionais periféricos agregarão à cidade de Maceió? O Governo do Estado e a Prefeitura de Maceió estão realizando pesquisa domiciliar para conhecer as necessidades de deslocamento da população das cidades de Maceió, Rio Largo e Satuba. A pesquisa está levando em consideração a demanda futura de população e de movimentos pendulares que as habitações periféricas provocarão? Há consonância entre as políticas de Mobilidade Urbana, Saneamento e Habitação adotadas em Maceió e sua Região Metropolitana? A Política Habitacional não precisa ser revista, já que continua reproduzindo a segregação espacial iniciada na ditadura militar? Também, a Política de Mobilidade Urbana não precisa ser revista, pois continua reproduzindo o rodoviarismo, que só estimula ainda mais o espraiamento urbano?

2) Os novos loteamentos periféricos dispõem de áreas para oferta de serviços básicos à população, como escolas, creches, postos de saúde, etc. Mas onde essas pessoas vão trabalhar? Terão que realizar deslocamentos pendulares em direção às oportunidades de emprego, localizadas predominantemente na planície litorânea de Maceió?

3) Não seria interessante promover uma ocupação mais racional do espaço urbano, adensando áreas centrais e que já possuem infraestrutura instalada, permitindo deslocamentos curtos, que podem ser realizados a pé e de bicicleta? Ou mesmo controlar o crescimento populacional de Maceió, permitindo que outras cidades do estado se desenvolvam.

Imagem retirada de cartilha do Ministério das Cidades, que apresenta o Estatuto da Cidade e sua aplicação nos planos diretores municipais.
 
Como o ano de 2014 terá eleições para governador, além dos questionamentos apresentados, é interessante saber quais são as propostas dos partidos políticos para minimizar a migração da população das pequenas cidades em direção a Maceió, que continua concentrando 1/3 da população de todo o estado e não permite o desenvolvimento de pequenas e médias cidades de Alagoas.
   
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