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domingo, 7 de novembro de 2010

Os “acidentes” de trânsito



O que é o acidente? E o que é o trânsito?

Segundo o dicionário Houaiss, “acidente” é um acontecimento casual, fortuito, inesperado. Ainda segundo o mesmo dicionário, “trânsito” é o simples ato de transitar, a circulação de pessoas ou a passagem de um lugar a outro. Portanto, um acidente de trânsito é quando alguém está se deslocando de um lugar a outro e algo de inesperado acontece. Inesperado!

As aspas utilizadas no título desta postagem são justamente para questionar se podemos continuar chamando de “acidente” algo que acontece corriqueiramente. Já não são previstos os altos números de mortos nas estradas em qualquer feriado prolongado? Já não são comuns os “acidentes” ocorridos nas madrugadas da cidade, quando as pessoas passam a noite enchendo a cara e depois voltam para suas casas dirigindo máquinas de 2 toneladas, em alta velocidade?








Costumamos ficar chocados quando sabemos que algum avião caiu no Brasil. Pensamos até em não viajar por algum tempo pensando que podemos ser os próximos. Mas como muitos já devem saber, o avião é o segundo transporte mais seguro que existe. O primeiro é o elevador.




Por que os transportes sobre pneus matam tanta gente? Por um simples fator: o ser humano. Tanto no transporte aéreo, como no transporte ferroviário (nos países desenvolvidos) ou aquático, os veículos são dotados de uma série de computadores que trabalham incessantemente para evitar a falha, da qual o ser humano é tão passível.

Em outra postagem, mostramos que, durante a introdução dos primeiros veículos motorizados nas cidades inglesas, o Red Flag Act limitava a velocidade em 3,2 km/h e obrigava que uma pessoa fosse à frente do veículo abanando uma bandeira vermelha para avisar sobre seu perigo. Com isso, os transportes rodoviários passaram por um bom período de estagnação naquele país, enquanto a lei esteve em vigor, por mais de 30 anos. Enquanto isso, nas demais potências europeias, a ausência dessa legislação e o desenvolvimento tecnológico aumentou gradativamente a velocidade do automóvel no meio urbano.

Primeiramente na cidade de Londres e, logo em seguida nas demais cidades europeias, as redes de bondes e metrôs tiveram grande avanço, até que a onipresença mundial do automóvel ditasse sua regra. Tal onipresença começou a ser contestada em algumas cidades europeias, a partir da segunda metade do século XX.

Enquanto a Europa já estava buscando se livrar da ditadura do automóvel nas cidades, nós brasileiros, influenciados pela cultura norte-americana, estávamos apostando no automóvel como o transporte do futuro. Foi na década de 1950 que o presidente Juscelino Kubitschek introduziu a indústria automotiva no Brasil e construiu Brasília, a cidade brasileira mais dependente do automóvel.

Há cerca de duas semanas, o tema dos “acidentes” de trânsito foi tratado pela TV Gazeta de Alagoas, que mostrou que, segundo estatística do Detran/AL, foram registrados mais de 4 mil acidentes no Estado, somente nos primeiros 8 meses de 2010.



Na mesma semana, uma reportagem do Jornal da Globo mostra que o pedestre é sempre o alvo mais fácil no trânsito de São Paulo. Segundo a reportagem, “no ano passado, quase metade das pessoas que morreram em acidentes eram pedestres.” Ou seja, mesmo que você chegue à conclusão que o carro é uma arma e decida deixar de utilizá-lo, você continuará sendo uma presa fácil.



No dia seguinte à reportagem do Jornal da Globo, o Jornal Nacional fez uma avaliação da aplicação da Lei Seca (sic), nos dois anos em que a lei está em vigor. Assim como o autor do blog Apocalipse Motorizado, não concordamos que seja dado à lei brasileira o mesmo nome que foi dado à lei que proibia a venda de bebida alcoólica nos EUA, nas primeiras décadas do século XX. Diferente dos EUA, no Brasil, ninguém está proibido de beber. O que é proibido é beber e conduzir. O óbvio!



Apresentamos todas essas reportagens apenas para embasar nossa proposta. Se já está provado que o motorista é o principal responsável pelos tais “acidentes”, não seria melhor se tirássemos do motorista essa responsabilidade? Não queremos tirar das pessoas o “direito” de dirigir, mas a “obrigação”, já que no Brasil, ao completar 18 anos, todo cidadão se vê obrigado a tornar-se um motorista.

Nós não temos a escolha. Nós não podemos dizer: “eu não quero dirigir, eu quero usar o transporte coletivo”. No Brasil, os serviços públicos (educação, saúde, transporte, etc) são vistos como algo de 2ª categoria, algo destinado às pessoas que não conseguiram tê-los de forma privada. E como as elites políticas não os utilizam, tanto faz se está bom ou ruim. Portanto, nas condições atuais, alguém que possa ter um carro, mas faça opção pelo coletivo, pode ser considerado um masoquista.

O que propomos é o mesmo que os maiores especialistas em transporte, do Brasil e do mundo, apresentam como solução para o trânsito nas cidades:

o investimento em transporte coletivo

Entenda investimento como tratar com seriedade, como o mais importante, como aquele que deve ser destinado a TODOS, e não apenas aos desfavorecidos que não conseguiram comprar o carro que é anunciado nas propagandas em 10 mil parcelas.

Cada ônibus circulando (apenas com passageiros sentados), são mais de 40 carros a menos congestionando as ruas e pondo em risco a vida de pedestres e outros motoristas. Não sendo obrigado a dirigir, você tem tempo livre para ler, olhar a paisagem, paquerar, conhecer outras pessoas ou até tirar uma soneca. Você pode sair na madrugada, beber à vontade e ter a certeza de que voltará para casa sem assassinar ninguém pelo caminho.

Substituindo 40 condutores (anônimos) por 1 profissional do volante, é muito mais fácil falar em responsabilidade. Um motorista profissional recebe treinamento especial para ocupar aquela função, muito além de um simples teste para habilitação. Além do mais, esse motorista terá 40 fiscais observando seu trabalho. As chances de erro dele são 40 vezes menores do que a de 40 inimigos, cada um no seu carro, na guerra diária do trânsito.

Contudo, sabemos que os ônibus não são a solução mais segura. Os bondes, por estarem presos a um trilho, apresentam infinitamente menores riscos de atropelamento aos habitantes da cidade. Porém, a comparação entre ônibus e bonde é assunto para outra postagem...

O que queremos promover aqui é apenas o fim da individualidade. Mas isto parece estar muito distante de acontecer no Brasil, principalmente em Maceió. Misturar ricos e pobres no transporte coletivo parece algo utópico. Os ricos continuam preferindo viver no apartheid social que o automóvel lhes proporciona. Continuam preferindo não viver a cidade, mas o seu mundinho de condomíniofechado-shoppingcenter-escritório-boutique. As consequências que esse fosso entre ricos e pobres pode trazer, a Revolução Francesa já nos mostrou.


Leia também:

- Três "Isabelas Nardoni" em uma semana

- Um avião cai a cada dois dias, e ninguém dá bola

- Menos carros significam menos fatalidades no trânsito

1 comentários:

Lucas Amorim disse...

Precisamos levar a sério este assunto, vejo que mesmo entre nós ciclistas ainda é Tabu, é como se estivéssemos acostumados a viver oprimidos no canto da rua junto ao meio fio ou espremidos dentro ônibus perigosos para que outros, ou nós mesmos, tenham o direito de dirigir suas bolhas metálicas pela cidade. É difícil convencer até mesmo quem está a nossa volta de que vale a pena lutar por essa causa. Enquanto não se criam condições para que nos desloquemos de forma ecológica, eficiente e saudável com nossas bicicletas temos que correr os riscos em defesa das nossas ideias, em protesto ao descaso com a eficiência, segurança e acessibilidade do sistema de transporte de nossas cidades brasileiras, ao tempo em que devemos lutar pela criação dessas condições. Meus parabéns a bicicletada de Maceió e a iniciativa da matéria na tv Pajuçara sobre a repintura das faixas da AFL.

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