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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sobre duas rodas

Por Martha Medeiros, setembro de 2000*.


Quando a gente chega de viagem, meu caso, as pessoas querem saber as novidades lá de fora. Primeiramente, não existe mais “lá fora”: estamos todos dentro do mesmo invólucro, ouvindo as mesmas músicas, vendo os mesmos filmes, usando as mesmas roupas. E as notícias de lá são as mesmas daqui, no que abrange interesses internacionais: a bola da vez é a alta do preço do barril de petróleo, gerando ansiedade quanto a uma possível recessão mundial. Sendo assim, a novidade que trago é velha: salve a bicicleta.

Eu já não uso trancinhas, mas ainda gosto de dar minhas pedaladas, e lamento que tenhamos o hábito de usá-las apenas em passeios em parques e calçadões, como uma concessão aos tempos de infância. A cultura automobilística não nos deixa ver que bicicleta é meio de transporte. Pode ser usada dos oito aos oitenta anos, não gasta combustível, não polui o ar, é moleza de estacionar, fácil de comprar e colabora para termos um melhor condicionamento físico. Por que funciona na Holanda e aqui não?

Múltiplas respostas. As cidades européias nasceram séculos antes de Henry Ford, e os urbanistas não podiam imaginar nem mesmo que a bicicleta seria inventada, o que dizer de uma Land Rover. As vias são estreitas. Os primeiros prédios, logicamente, foram construídos sem garagem, e não vieram outros prédios, pois a Europa tem esta mania estranha de preservar seu patrimônio, modernizando-se por dentro mas mantendo a fachada de origem, o que faz dela o continente mais lindo do planeta. Além disso, as cidades, quase todas, são planas. Há ciclovias e códigos de trânsito para ciclistas. E o conceito de status social difere um pouco do nosso. Os adolescentes fazem dezoito anos, depois 28, e então 38, e se não tiverem um carro, continuam sendo cidadãos respeitáveis e conseguem inclusive arranjar namorada.

O Brasil, a exemplo de sociedades mais jovens como os Estados Unidos, cultua o automóvel a ponto de ser prisioneiro dele. Além de termos esquecido como é caminhar, somos impelidos a nos endividar para ter um carro do ano com air bag, banco de couro e design avançado, como se isso fosse dizer quem somos. De certa maneira, diz. Diz que somos vítimas de um comportamento padrão que vê com desconfiança hábitos alternativos e que luta pouco por um transporte público mais seguro e eficiente, o que nos tornaria menos dependentes das quatro rodas e suas trações.

Não me imagino saindo de um hipermercado com nove sacolas penduradas no guidão de uma bicicleta, mas tenho consciência do quanto a gente perde em não fazer pequenos percursos individuais com um transporte menos oneroso para o trânsito, para o bolso e para a saúde. Patinete é modismo, a bicicleta é um clássico. Que volte às ruas. Pode faltar combustível, mas desprendimento tem que continuar sobrando.


* Publicado no livro Non-stop – Crônicas do cotidiano. 7ª edição. Porto Alegre: L&PM, 2010.


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