Fui checar se a Dinamarca é mesmo o país mais feliz do mundo. Com os dinamarqueses
* por Paulo Nogueira
NUMA ESCALA de zero a dez, qual é seu grau de felicidade?
Estou na Dinamarca, o país mais feliz do mundo, segundo um estudo feito por gente séria, e quero saber se os nativos concordam com isso. Faço a pergunta acima a algumas pessoas em Copenhague, depois de dizer que sou um jornalista brasileiro. São pessoas diferentes, mas em comum têm a afabilidade sorridente, o inglês fluente e uma alta taxa de felicidade. Todas se atribuíram oito.
Roy, 71 anos, é aposentado da Marinha. Ele parece ter 15 anos menos. Desempenado, cabelos fartos, penteados de lado. Está de uniforme quando falo com ele. Duas ou três vezes por semana, trabalha como guarda do Museu Arken, no balneário de Ishøj, a 15 minutos de Copenhague. Você chega ali por um trem silencioso em que uma placa mostra que conversas no celular não são bem-vindas. Há um vagão especial para o transporte de bicicletas, e ao lado das poltronas sacos plástivos verdes estão à sua disposição para que você não jogue lixo onde não deve.
“Passei por um período duro recentemente”, Roy diz. “Perdi meu pai.” Ele tinha 94 anos. “Mas em situações normais me dou oito, de zero a dez, em felicidade.” Roy estaria menos satisfeito se, com tamanha disposição, estivesse inteiramente recolhido em sua casa. Antes de me aproximar dele, eu o vira conversar com um grupo de colegas no museu. Estavam todos rindo. A conversa devia ser boa.
Duas jovens balconistas também se dão oito. Uma delas, Filippa, é sueca. Tem 31 anos, e vive em Copenhague. Filippa gosta do estilo dinamarquês. “Os suecos se preocupam com o que os outros pensam deles”, diz ela. “Os dinamarqueses se interessam pelo que eles pensam de si mesmos.” A Dinamarca é um país que cultiva a ironia, diz Filippa. Tinha que ser aqui, segundo ela, que um grupo de cartunistas faria charges zombateiras de Maomé, um episódio que teve desdobramentos trágicos. Um cálculo do jornal que publicou os desenhos em 2005, o Jyllands-Posten, fala em 150 mortos nas manifestações e atentados que se seguiram.
O frio é duro, ela faz questão de dizer. “Entre outubro e fevereiro, todo mundo fala que gostaria de mudar de país.” Filippa passou quatro semanas, no inverno passado, numa praia tropical. Quando o sol reaparece, a Dinamarca se rejubila. A questão do clima não é uma unanimidade. Uma engenheira sexagenária com quem falei num restaurante afirma que a Dinamarca é agradável sob qualquer temperatura. Ela tinha ido almoçar fora com a mãe, uma senhora alinhada, mas já não muito firme, de quase 90 anos. Como boa parte dos habitantes de Copenhague, a engenheira vai trabalhar de bicicleta. Está alguns quilos acima do peso, o que demonstra que bicicleta não faz milagres.
A outra balconista, Julie, 27 anos, é mais esquiva. Hesita em se deixar fotografar, e só aceita quando Filippa topa. Quer saber direito a revista para a qual escrevo. Digo que a Época é uma revista semanal, ao estilo da Time americana. Ela mostra receio de ser citada erroneamente. Tento tranquilizá-la. Julie amacia quando cantarolo Bob Marley. Ela fez seus cabelos ficarem rástas. Julie fala na Janteloven.
É, em dinamarquês, Leis de Jante. Jante é uma cidadezinha imaginária criada pelo romancista Aksel Sandemose em 1933 no livro Um Fugitivo Cobre Seus Passos. Os traços básicos dos habitantes de Jante refletem o dinamarquês médio. Foram agrupados nas assim chamadas Leis de Jante. Uma frase sintetiza o decálogo: “Você não é melhor que ninguém.” Logo, ninguém também é melhor que você. A Janteloven estimula a modéstia e a simplicidade.
Os americanos acabaram dividindo a sociedade entre vencedores e perdedores, sendo que o critério um, dois e três é o dinheiro. Você tem hoje nos Estados Unidos uma sociedade obesa, neurótica e agarrada em horas alternadas a antidepressivos e calmantes. O declínio americano não é por acaso.
O dinamarquês leva a vida de outro modo. Vejo-os nas ruas, em bicicletas e capacetes multicoloridos, e sou tomado por uma vontade de sorrir.
Alegria contagia.
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