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segunda-feira, 13 de maio de 2013

Bicicleta como meio de transporte ainda é realidade distante em Maceió


Protestos de ciclistas cobrando melhorias no trânsito são comuns na capital.
Prefeitura atribui dificuldade em melhorias à geografia da capital alagoana.

A falta de ciclovias, de educação no trânsito, de uma fiscalização mais atuante e, principalmente, da discussão entre autoridades públicas e sociedade são pautas constantes entre as pessoas que precisam da bicicleta para se locomover em Alagoas.

A eterna disputa por espaço entre carros, ônibus e caminhões e pelo respeito dos motoristas leva associações e grupos ligados ao ciclismo a sugerir projetos de mobilidade urbana inspirados em outros estados e países que são referência no assunto. O problema é que falta interesse dos administratores municipais e estaduais em resolver este impasse. E, como uma música que toca repetidamente em um disco arranhado, a culpa do problema (tão antigo quanto a comparação usada por esta jornalista) é sempre da gestão passada.

Por isso, a convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, o G1 AL viajou até Berlim e pôde conferir como vivem os moradores da chamada terra do ciclismo. Uma oportunidade para mostrar que é possível - e saudável - usar a bicicleta como meio de transporte integrado ao trânsito.

A professora paulista que vive na Alemanha levou mais de uma década para se render ao transporte alternativo. (Foto: Natália Souza/G1)

Assim que foi morar em Berlim, capital da Alemanha, em 2000, a pedagoga paulista Sandra Mezzalira Gomes, 39, passou por um longo processo de readaptação em relação ao uso do transporte público. No Brasil, Sandra era acostumada a andar de carro ou metrô. Mas, em Berlim, ela aderiu espontaneamente a uma tendência cada vez mais europeia: o uso da bicicleta.

Apesar de hoje ir a diversos lugares com a sua magrela, apelidada de "Dieter", Sandra afirma que houve resistência ao uso do transporte nos 12 primeiros anos como residente da cidade. “Até hoje não transferi minha carteira de motorista do Brasil para a Alemanha, por isso, não posso dirigir em Berlim. Antes de comprar "Dieter", tinha medo de usar a bicicleta no trânsito, de fazer algo errado e levar multa, de não conseguir vencer as distâncias", explica.

Não é difícil encontrar pontos para estacionar bicicletas nas ruas de Berlim (Foto: Natália Souza/G1)

A decisão pelo uso de um meio de transporte mais sustentável foi em junho de 2012. “Atrás de um museu onde trabalho existe uma oficina com bicicletas usadas à venda. No dia 28 de junho de 2012, decidi que iria pra casa pedalando. Comprei sem pensar muito nos medos e fui embora com a bicicleta. No dia seguinte adquiri o capacete”, revela a pedagoga.

Para Sandra, a bicicleta não fez muita diferença economicamente. "Eu já era assinante do vale transporte público da cidade, mas o uso da bike trouxe muitos benefícios para a minha saúde e qualidade de vida", afirma.

Quem não possui bicicleta, pode alugar uma na saída do metrô. (Foto: Natália Souza/G1)

Topografia berlinense facilita mobilidade

Em mais de 5 mil km de malha rodoviária, o tráfego de Berlim é formado por carros, ônibus, trens, metrôs de superfície e subterrâneos e, claro, bicicletas. Por ser uma cidade plana, a integração entre esses transportes é visível.

Um dos pontos positivos dessa integração é a acessibilidade financeira aos meios de transportes. O usuário do transporte público pode comprar, em máquinas localizadas em todas as estações de metrô, tickets diários, semanais e mensais. Depois de validar o ticket, a pessoa terá passe livre para qualquer um dos transportes públicos da cidade. O preço pode variar de 2 euros e 60 centavos a 28 euros, a depender da categoria escolhida.
 
Quem precisa percorrer longas distâncias, pode locar bicicletas próximo a paradas de metrô de superfície. (Foto: Natália Souza/G1)

Mas, apesar de não haver catracas em nenhum dos meios de transportes públicos berlinenses, se engana quem pensa que pode burlar o sistema. Frequentemente funcionários de empresas terceirizadas pelo Estado abordam os usuários dos transportes e quem não apresentar o ticket paga multas que podem chegar a 40 euros.

O que chama a atenção nessa grande rede de transporte urbano é a quantidade de bicicletas nas ruas. Berlim, apesar de ser uma cidade cosmopolita e fazer parte de um país onde o automobilismo possui grandes fábricas, a exemplo da Mercedez Benz, vem registrando o crescente número de adeptos ao uso da bicicleta não como lazer, mas como meio de transporte.

Em 2011, existiam 721 bicicletas por mil habitantes, segundo a Associação dos Ciclistas de Berlim. É possível observar homens e mulheres vestidos com roupas sociais, a caminho do trabalho, com pastas e bolsas no bagageiro de suas bicicletas. Crianças e adolescentes também fazem parte dessa tendência, seja para ir à escola ou a um bar, no caso dos jovens. A maioria dos estabelecimentos comerciais e prédios públicos, aliás, possuem estacionamentos exclusivos para bicicletas.

Claudia Schuster, professora alemã, diz que ter um carro não representa status social. (Foto: Natália Souza/G1)

“Ter um carro em Berlim não é sinônimo de riqueza ou determina status social. Aqui, até figuras públicas do governo vão ao trabalho de bicicleta ou de metrô e acho que é isso que determina se o sistema público é bom ou não”, afirma a professora alemã Claudia Schuster, 43.

Claudia, que é casada e tem duas filhas, conta à reportagem do G1 AL que possui carro, mas, durante a semana, todos da família utilizam a bicicleta como meio de transporte. "Usamos o carro apenas quando vamos a lugares mais distantes, para visitar parentes. Para irmos ao trabalho e à escola, só vamos de bike. Há mais de 20 anos usando esse meio de transporte, nunca sofri um acidente", afirma a professora, que possui uma bicicleta para o verão e outra com travas nos pneus para o inverno com neve.

Como em toda cidade grande, é possível flagrar diversas irregularidades dos motoristas e ciclistas, mas, no geral, os usuários das bicicletas se veem como parte do trânsito e respeitam, inclusive, suas regras e leis. Ainda assim, em 2010, a polícia registrou quase 4.700 acidentes envolvendo ciclistas. O Senado alemão também fica ciente de todos estes dados.
 
Ciclistas são respeitados por motoristas alemães, mas também precisam respeitar as leis de trânsito. (Foto: Natália Souza/G1)

Voltando à realidade alagoana, não é difícil flagrar irregularidades praticadas por parte dos ciclistas no trânsito. Bicicletas transportando três ou mais pessoas, ciclistas se equilibrando com grandes objetos, além dos que acham que os semáforos, placas e leis não valem para o transporte de duas rodas não motorizado.

O que chama a atenção é que as autoridades públicas não têm sequer o controle desses números para usar como subsídios em possíveis projetos. De acordo com o chefe de operações da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) de Maceió, Zenildo Calheiros, a antiga gestão da prefeitura deixou de acompanhar os números dos acidentes envolvendo ciclistas.
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“Além da falta de interesse que havia, esses tipos de acidentes são difíceis de se registrar, pois muitas vezes as próprias vítimas são socorridas no local ou vão embora. Esse registro é algo que pretendemos retomar, mas é preciso uma estrutura melhor”, reconhece Calheiros.

O espaço destinado aos ciclistas é resumido aos 32 km de ciclovias e ciclofaixas nas orlas lagunar e marítima, na Avenida Márcio Canuto, no Barro Duro, e em trechos da Via Expressa, na Serraria. De acordo com o assessor especial de trânsito da SMTT, Roberto Barreiros, além de alguns processos em prol da ampliação da malha cicloviária de Maceió emperrarem na burocracia, a estrutura da cidade não ajuda.

“Maceió não é uma cidade plana, como muitas cidades do Brasil e na Europa são. Aqui nós temos muitas ladeiras e fica inviável ligar bairros como os sistemas de metrô e de ciclovias fazem nesses outros locais”, afirma.

No último mês, integrantes do grupo Bicicletada de Maceió se reuniram com técnicos da Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento (Sempla) para tratar de pautas referentes ao assunto.


"Infelizmente, nossa sociedade não vê a bicicleta enquanto veículo e que ela deve ter seu lugar no espaço urbano. Me parece que agora é que as autoridades estão começando a acordar para essa realidade. Foi aprovado um orçamento de R$ 5 milhões para a construção de ciclovias neste ano em Maceió, espero que cumpram o prazo”, afirma Gildo Santana, membro do grupo Biciletada, que citou em seu projeto de ampliação das ciclovias sistemas eficientes em Curitiba e em São Paulo.

Seria injusto comparar o Estado de Alagoas à potência da União Europeia que é a Alemanha, afinal, além de fazer parte de uma economia distinta, o país passou por duas guerras relativamente recentes e por uma reunificação após anos de segregação política. Esses são eventos que mudam comportamento, economia e cultura de qualquer povo.

Mas a experiência no espaço urbano de Berlim, na Alemanha, comprova que é necessário mais força de vontade e visão sustentável do que grandes orçamentos para colocar em prática o uso de um transporte que está diretamente ligado à saúde, à educação e à cidadania do ser humano.
  
Há dois meses, ciclistas fecharam a Av. Gustavo Paiva, em Maceió, por 15min para cobrar melhorias no trânsito. (Foto: Reprodução/TV Gazeta)

Protestos de ciclistas por melhores condições no trânsito são comuns em Maceió. (Foto: Reprodução/TV Gazeta)



Fonte: G1 Alagoas