Have an account?

domingo, 19 de março de 2017

Viaduto da PRF

  
Por que esse viaduto será construído agora, em 2017, e não foi construído 40 anos atrás, quando esse cruzamento de rodovias foi projetado? Por que a AL-101 Sul foi duplicada em 2012 e não já nasceu duplicada em 1979, quando a ponte Divaldo Suruagy foi construída? A resposta é simples: Porque a frota de automóveis daquela época era menor que a de hoje. E se a frota continuar a crescer, o que vamos fazer? Triplicar a rodovia? Construir um viaduto em cima do viaduto? Para onde Maceió está caminhando? Estamos planejando a cidade ou apenas "enxugando gelo"?
   
  

Na década de 1940, a população de Maceió era de cerca de 80 mil habitantes e os limites da mancha urbana iam até as proximidades do Cepa. Na década de 1980, a população girava em torno de 400 mil habitantes e a cidade alcançava a região do Tabuleiro do Martins. Hoje, a cidade ultrapassa 1 milhão de habitantes e os conjuntos habitacionais de baixa renda (destinado às pessoas que não conseguem adquirir imóveis submetidos às leis de mercado) são construídos nos limites entre Maceió e Rio Largo. Mas por que as pessoas precisam morar tão longe? Está faltando terrenos na cidade? Não. Os terrenos estão especulados e as pessoas mais pobres não conseguem pagar. E não há como combater a especulação imobiliária? Há. O Estatuto da Cidade (lei de 2001) apresenta instrumentos para isso, que devem ser aplicados nos Planos Diretores (o de Maceió é de 2005). E por que esses instrumentos não são aplicados? Porque os "representantes eleitos pelo povo" (prefeito, vereadores, deputados...) têm fortes laços (leia-se: têm suas campanhas eleitorais financiadas) com os proprietários desses terrenos (quando não são os próprios donos).
 
    
Então, o cruzamento das rodovias BR-104 e BR-316, que até as últimas décadas funcionou bem com uma simples rotatória, agora englobado pela mancha urbana, apresenta saturação de automóveis nos horários de pico. As rodovias AL-101 Norte e Sul, que não precisavam ser duplicadas quando foram construídas, servirão como vetores de expansão dos negócios do mercado imobiliário após a duplicação.


Entre 2002 e 2008, a Prefeitura de Maceió construiu quatro viadutos na cidade (um no Poço, dois no Farol e um em Mangabeiras). Hoje, uma década depois, esses viadutos já estão saturados de automóveis e perderam sua função. É o mesmo que acontecerá com as rodovias AL-101 Norte e Sul e com o viaduto da PRF nas próximas décadas. É o que Jane Jacobs chama de "erosão da cidade pelos automóveis": aumento da frota de automóveis, expansão horizontal da cidade, descaracterização do patrimônio arquitetônico e urbanístico dos bairros, das comunidades, da cidade..., em contraposição ao que ela também chama de "redução dos automóveis pela cidade": evitar a necessidade de deslocamentos em automóveis, estimulando o transporte coletivo, a bicicleta, o caminhar...
    
O candidato promete, na campanha eleitoral, a construção do VLT, do BRT e todas essas siglas que deixam as pessoas curiosas em saber o que é e esperançosas de que seus deslocamentos pendulares (periferia-centro-periferia) terão um alívio (pois já se conformaram que não podem morar nos terrenos próximos da área central). Mas como essas obras custariam bilhões de reais e a cidade dependeria de recursos federais (que não virão nem tão cedo, nesse montante), a dinastia Calheiros precisa apresentar alguma(s) obra(s) para servir de portfólio nas eleições de 2018 e para manter o caixa das empreiteiras (que vão financiar as próximas campanhas) abastecido. Então já que as soluções bilionárias do VLT e BRT não virão, jogam as "soluções" milionárias do viaduto da PRF, da duplicação da AL-101 Norte, do tal "eixo viário do Cepa"... E a população (que não estudou urbanismo e não parece estar muito preocupada com o desperdício de recursos públicos e/ou com seu uso em benefício de empreiteiras e da especulação imobiliária) aplaude e acredita que viadutos e duplicação de rodovias vão melhorar a mobilidade urbana.
 
Por volta de 2009/2010, quando a frota de automóveis de Maceió crescia vertiginosamente, estimulada pelos incentivos fiscais do governo federal, a imprensa vivia procurando urbanistas para dizerem qual seria a solução para a mobilidade urbana, ao que sempre respondiam sobre a cidade compacta, o aumento da densidade populacional, o incentivo ao transporte coletivo, à bicicleta, ao caminhar...
   
Com a atual crise econômica, parece que o problema da mobilidade (que é entendido pelos motoristas como sinônimo de congestionamento, pouco importando se o pobre leva 2 horas para ir de ônibus da periferia ao Centro, gastando 1/4 do salário mínimo) deixou de existir. Aí o governo constrói um viaduto aqui, duplica uma rodovia ali... e, daqui a algumas décadas, a próxima geração de urbanistas será convidada pela imprensa para responder aos mesmos questionamentos que faziam em 2009/2010 e assistiremos à reprise desse filme.

  
Maceió não chegará a um ponto em que irá travar totalmente (na verdade isso já acontece em alguns pontos da cidade em determinados horários). O que acontece é que a cidade vai se adequando ao automóvel e buscando áreas cada vez mais distantes para ocupar e para manter a baixa densidade populacional que favorece os deslocamentos por automóvel. Maceió vai ficando cada vez mais parecida com Los Angeles e São Paulo e cada vez menos parecida com Paris e Barcelona, no que se refere à densidade populacional. É apenas uma questão de escolhas, de como os cidadãos querem que os recursos públicos sejam gastos, se com asfalto, viadutos, pontes, túneis, semáforos, tratamento de doenças provocadas pelo estresse e pela poluição, etc. ou com praças, parques, museus, escolas, calçadas arborizadas, ciclovias, etc. Esse ano de 2017 é ano de debater o PPA 2018-2021. Vamos ver quais serão as prioridades "escolhidas pela população".

  

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Fim da Era do Automóvel: como as cidades estão conseguindo se livrar dele

Cidades do mundo inteiro estão chegando à mesma conclusão: elas seriam muito melhores com menos carros. Então, o que está por trás dessa revolução em nosso estilo de vida urbano? Stephen Moss parte em uma viagem (sem carro) para descobrir. Realmente chegamos ao fim do automóvel nas cidades?
      
Oxford Street, em Londres, em 1965, quando o Urbanismo buscava acomodar cada vez mais carros nas cidades. Foto: Powell / Getty Images
    
Por Stephen Moss*

Gilles Vesco chama de “Nova Mobilidade”. Consiste em uma cidade onde seus habitantes não dependem mais do automóvel, mas do transporte público, de carros e bicicletas compartilhados, sobretudo, em tempo real, através de seus smartphones. Ele prevê uma revolução que transformará não apenas os transportes, mas as próprias cidades. “O objetivo é redemocratizar o espaço público e criar uma cidade para pessoas”, diz ele. “Será uma cidade com menos poluição, menos barulho, menos estresse: uma cidade ‘caminhável’.”

Vesco, responsável pelo transporte sustentável em Lyon (França), coordenou a implantação do sistema de bicicletas públicas da cidade, o Vélo’v, dez anos atrás. Sistema esse que vem sendo replicado em cidades do mundo inteiro. Agora ele está convencido de que a tecnologia digital mudou as regras do jogo e tornará possível que as pessoas não sejam mais dependentes do carro, o que era inimaginável quando o Vélo’v foi lançado, em maio de 2005. “A informação digital é o combustível da mobilidade”, diz ele. “Alguns sociólogos de transporte dizem que a informação corresponde a 50% da mobilidade. O carro será um acessório do smartphone.”

Vesco faz sua profecia: “O compartilhamento é o novo paradigma da mobilidade urbana. No futuro, você avaliará a cidade em função daquilo que é compartilhado nela. Quanto mais pessoas compartilhando o transporte, os espaços públicos, informação e outros serviços, mais atraente será a cidade.”

O Vélo’v tem sido expandido, grupos de compartilhamento de carros elétricos vêm sendo estimulados e o que Vesco chama de “plataforma colaborativa” foi desenvolvida para incentivar caronas solidárias. Não há, segundo ele, qualquer motivo para que um habitante de Lyon possua carro. E ele dá o exemplo: ele mesmo não possui.”

Zona de pedestres na área central de Lyon, nas margens do rio Rhônes. Foto: Alamy

O número de carros que entraram em circulação em Lyon diminuiu 20% na última década, sem qualquer cobrança de pedágio urbano (Vesco diz que tal medida prejudicaria as pessoas com menor renda, que costumam possuir veículos mais poluentes). E embora a expectativa de crescimento da população de Lyon seja de mais de 10% na próxima década, ele prevê uma redução de 20% no uso do automóvel. O estacionamento que havia nas margens dos dois rios que passam por Lyon foi substituído por parques públicos. Vesco diz que, alguém que visitou Lyon dez anos atrás e retorna hoje, mal reconheceria a cidade.

Birmingham, que disputa com Manchester o titulo de segunda cidade mais importante da Inglaterra, tem acompanhado de perto a experiência de Lyon e de outras cidades europeias e embarca agora no seu plano para os próximos 20 anos, chamado “Birmingham Conectada”, para reduzir a dependência do automóvel. Para uma cidade conhecida por suas montadoras de automóveis, é um grande avanço. A iniciativa tem sido levada adiante pelo veterano presidente da Câmara Municipal, Sir Albert Bore, que propõe a sobreposição de um plano tridimensional de transportes em um plano bidimensional da cidade: “As cidades da França e da Alemanha estão bastante avançadas no mapeamento em diferentes layers (camadas/níveis).”

“Multimodalidade” e “interconectividade” são palavras que estão na boca de qualquer urbanista hoje em dia. Em Munique, diz Bore, os planejadores lhe disseram que os moradores da cidade do futuro não precisarão mais ter carro. Bicicletas e transporte público eficiente serão a regra; para viagens ocasionais para fora da cidade, poderão alugar um carro ou participar de um grupo de compartilhamento de carros ou de caronas, que promovem o transporte intermunicipal. A estatística que não se cansa de repetir é que seu carro fica parado, ocioso e depreciando-se por 96% do dia. Tem de haver uma maneira mais eficiente de se deslocar nessas sete horas semanais.

Anel viário Smallbrook, parte do centro comercial de Birmingham dominado por carros. Foto: PA Archive

Os grupos de compartilhamento de carros apresentam uma segunda estatística: se um carro pessoal atende a um indivíduo ou uma família, um carro compartilhado pode atender até 60 pessoas. Enquanto escrevo isso, observo pela janela meu Volkswagem Golf estacionado lá fora, que usei pela última vez quinze dias atrás. Carros individuais são um desperdício.

Bore reconhece que seu plano para transformar a cidade não será fácil e que necessitará de um bom convencimento da população. “Birmingham sempre foi conhecida como ‘a cidade do carro’,” diz ele, “e por causa disso nunca se preocupou em construir uma rede de bondes e metrô, como vemos em outras grandes cidades da Europa. Foi um erro não construir essa rede, pois não nos preocupamos em ter uma visão de longo prazo.” Agora que Birmingham tem um plano de longo prazo, o que não se tem é dinheiro. Seriam necessários £4 bilhões; até agora só se conseguiu £1,2 bilhão. Tanto o governo central, quanto investidores privados e empresas locais, terão de ser convencidos de que vale a pena.

Anne Shaw, responsável pelos transportes de Birmingham, sai comigo para dar uma volta pelo centro da cidade para me mostrar as mudanças que estão em curso. A linha de bonde, que vem de Wolverhampton, está sendo estendida; a via que cortava diversas repartições públicas está sendo desviada; subsolos irregulares de edifícios estão sendo removidos; ciclovias estão sendo implantadas e um sistema BRT está planejado.

Um dia, talvez, Birmingham terá seu serviço de metrô, embora demore vários anos e custe milhões. Atualmente, os deslocamentos em Birmingham dividem-se entre 50% em transporte individual e 50% em transporte coletivo; isso também precisa mudar — em Londres, apenas 15% das viagens são realizadas em transporte individual. Em Birmingham, o distrito central, onde estão localizados o Symphony Hall e a moderna biblioteca, é chamado de Paraíso. Bore espera que, um dia, faça jus a seu nome.

Os planejadores de Birmingham reconhecem que a cidade está atrasada. Londres, que foi pioneira na implantação do pedágio urbano e sempre soube integrar os serviços de transporte público, teve mais sucesso na diminuição do uso do carro na última década, quando 9% dos usuários de automóveis migraram para outras formas de transporte. “Em Londres, as pessoas têm diversas opções de transporte, em tem havido um grande crescimento em todos os modais”, diz Isabel Dedring, a norte-americana responsável pelos transportes na cidade. “Houve um grande aumento nos investimentos em transporte público.”

Região de Piccadilly, Londres, em 1969, quando o estacionamento de carros nas ruas era permitido em quase toda a cidade. Foto: Dezo Hoffmann / Rex Features

Dedring diz que Londres sempre foi avançada em termos de transporte público — suas ruas estreitas e tortuosas nunca foram favoráveis à dominação do automóvel, ao contrário do que ocorreu em diversas cidades dos EUA e da Europa, nos anos 1960 e 1970, quando o automóvel ditava as regras. Além disso, desde a virada do milênio, houve um esforço concentrado em estimular o uso de outros modais de transporte, que foi capaz de reduzir em 30% o tráfego na área central de Londres.

“O tráfego diminuiu consideravelmente”, diz Dedring, “principalmente por conta do pedágio urbano, mas também porque os espaços que antes eram dominados por automóveis estão sendo convertidos em faixas exclusivas para ônibus e espaços para pedestres, através da reabilitação dos espaços públicos. E agora para bicicletas também, com o plano “cycle superhighways” e as vias de tráfego compartilhado, que vem sendo testadas em três distritos londrinos.

No distrito de Waltham Forest, um dos que vêm testando esse projeto-piloto (chamado de “mini-Holanda), saio para pedalar com o vereador Clyde Loakes, vice-presidente da Câmara de Vereadores e presidente da Comissão de Meio Ambiente. As ruas que costumavam ser atalhos buscados por motoristas, na área conhecida como Walthamstow Village, foram fechadas ao tráfego de passagem e, como num passe de mágica, o número de veículos que circulam por lá diminuiu mais de 20%. O local estava bastante tranquilo quando pedalamos por lá num dia de semana à tarde; de fato, sentimos uma grande diferença quando saímos dessa área tranquila e retornamos para a barulhenta e congestionada área central.

Loakes diz que o projeto-piloto é uma tentativa de alterar o comportamento e as sensações que se tem na área, mas deve-se reconhecer que as mudanças já estão em curso. “Em Waltham Forest, cresce o número de famílias que não têm carro. O transporte coletivo está melhorando, a população mais jovem está aumentando e nos vários empreendimentos que vêm sendo construídos, vagas de garagem não são prioridade, pois possuir automóvel não é mais um desejo.”

Para ser franco: diversos empreendimentos na cidade já não oferecem vagas de garagem. No começo, os empreendedores ficaram receosos, mas depois perceberam que isso não é um problema para jovens profissionais que compram seus imóveis e, por isso, aceitaram as mudanças impostas pela municipalidade.

Em Walthamstow Village, houve uma queda de 20% na frota de veículos dede que iniciou o projeto-piloto de vizinhança amigável à bicicleta. Foto: Alamy

O distrito de Hackney, na Grande Londres, que orgulha-se de ser o mais verde da cidade, tem uma história semelhante. “Estamos tentando criar um ambiente mais humanizado,” diz a vereadora Feryal Demirci, membro da Comissão de Vizinhanças, “e diminuir o número de carros é um dos caminhos para isso.” Ela diz que 90% dos empreendimentos que estão em curso são completamente livres de carros, com a garantia da municipalidade de que cada moradia estará num raio de 3 minutos de um ponto de compartilhamento de carros.

O distrito de Hackney orgulha-se também dos seus 15% de residentes que se deslocam de bicicleta para o trabalho. “Trata-se de criar um ambiente favorável ao uso da bicicleta e do transporte coletivo, para que as pessoas não precisem utilizar o carro”, diz Demirci. A frota de automóveis diminuiu, no distrito, nos últimos 10 anos: antes, 56% dos domicílios não tinham carro, hoje são 65%. O distrito não é atendido pelo metrô e, por isso, tem uma das maiores taxas de utilização do ônibus em Londres. Embora a população tenha aumentado em 45 mil pessoas, o número de veículos per capita diminuiu em 3 mil. Estes são dados que agradam a qualquer urbanista.

Este modelo de cidade, mais densa e menos dependente do automóvel, está se tornando modelo nos países desenvolvidos. “A altura dos edifícios tem aumentado, a densidade populacional tem crescido e as políticas públicas locais e metropolitanas de Londres estão focadas em intensificar e adensar o uso do solo”, explica Bem Kennedy, responsável pelos transportes no distrito de Hackney. “Estamos seguindo o caminho de Manhattan. As pessoas, morando muito próximas umas das outras, não precisam do transporte, porque tudo está perto. Há tantas pessoas morando numa mesma quadra, que é possível resolver as necessidades básicas em curtos deslocamentos. É nesse caminho que Londres caminha.”

De acordo com o jornal finlandês Helsinki Times, no futuro, a maioria das pessoas que vivem em cidades não terão carro. Foto: Pekka Liukkonen / Alamy

Estamos caminhando para uma revolução, mas custará caro

Rikhard Manninen é mais um responsável por um plano — um grande plano, que está aberto sobre uma mesa em seu escritório, no centro de Helsinque. Manninen é diretor da divisão de planejamento urbano estratégico da cidade. O plano é uma previsão do que será a cidade em 2050. Haverá muito mais pessoas — a população deverá aumentar em 50% — mas muito menos dependente do automóvel. A densidade populacional aumentará; muitos dos novos edifícios residenciais não terão garagem; as principais vias da cidade serão transformadas em boulevards; mais e mais espaço será destinado a ciclovias. Uma reportagem do ano passado, do Helsinki Times, já dizia: “Os futuros habitantes de Helsinki não terão carro.”

“Adensamento” é a palavra de ordem para urbanistas como Manninen, e os benefícios que ele pode proporcionar estão criando uma nova cidade. “Quando você mora perto, os negócios acontecem mais facilmente; as pessoas podem ir ao trabalho a pé ou com o transporte coletivo. É mais eficiente.”

Em muitas cidades, a era dos deslocamentos pendulares, juntamente com a era do automóvel, está chegando ao fim. Manninen não imagina mais a cidade com um único centro; ele prevê uma cidade polinucleada, com meia dúzia de centros, onde as pessoas vivem, trabalham, fazem compras e se divertem. Isso vai reduzir os congestionamentos, a superlotação dos transportes e gerar uma série de comunidades organizadas, semi-autônomas, eficientes e vibrantes — esse é o plano.

Embora a Finlândia tenha fama de ser pioneira em transporte sustentável, a realidade é bem diferente. Por conta de sua urbanização tardia, com desenvolvimento de cidades nas décadas de 1950 e 1960, a cultura do automóvel está mais enraizada do que em cidades mais antigas. Os finlandeses costumam viver na periferia da cidade e deslocam-se ao centro de Helsinque, para trabalhar, e para suas casas de campo, nos finais de semana. Mas Manninen concorda com Vesco, de Lyon, que as atitudes estão mudando: “Os mais jovens não querem depender do carro. Estão menos interessados em tirar carteira de motorista do que as gerações anteriores.”

A geração Y, conhecida como “geração do milênio”, agora com seus 20 a 30 anos, que viveu sua infância na era digital, parece menos apegada a bens do que a geração “baby boomer”. Pesquisas mostram que o único objeto valorizado é o smartphone, e que o futuro dos transportes deverá basear-se não em carros particulares, mas na “mobilidade como um serviço” — termo supostamente criado por outro finlandês, Sampo Hietanen, chefe da Intelligent Transport Systems (ITS). As pessoas usarão seus smartphones para buscar informações ultra-detalhadas sobre as viagens, localizar carros ou bicicletas de aluguel, procurar vagas de estacionamento, utilizar o aplicativo Uber e organizar caronas solidárias. Quem precisará ter carro?

Enquanto isso, em Helsinque, me encontro com funcionários do órgão local responsável pelos transportes. Estou impressionado, não apenas pelo compromisso deles com a mobilidade sustentável, mas com empenho em engajarem a população. Eles visitam escolas e locais de trabalho para tentar convencer as pessoas a se deslocarem a pé, de bicicleta e em transporte coletivo. E também levam sua mensagem aos mais velhos, que costumam oferecer mais resistência a abandonar o automóvel.

Ciclovia Baana de Helsinki, aberta ao público em 2012. Foto: Alamy

Uma das iniciativas que eles têm mais orgulho é o serviço de ônibus “Kutsuplus” (em português, “chame mais”) — uma frota de micro-ônibus de nove lugares cujas rotas são determinadas pelos usuários. É uma ótima ideia, e eu aproveito para experimentar indo do órgão de transportes até o centro da cidade. Chega rápido, me pega num ponto de ônibus distante apenas 100 metros e custa 5 euros por uma viagem de 3 km. O problema é que, até agora, Helsinque só tem 15 desses micro-ônibus, e não tem recursos para adquirir mais. Como muitos dos serviços atuais, este está em fase de testes. Estamos caminhando para uma revolução, mas custará caro.

“Nós não livraremos Helsinque dos carros — isso é impossível”, diz Reetta Putkonen, diretora da divisão de planejamento de transporte e trânsito, que conheci num almoço, numa exposição dedicada à cidade do futuro. “Mas estamos monitorando onde e como os carros são utilizados, de modo que possamos ter locais onde seja agradável caminhar, pedalar e o transporte coletivo seja altamente eficiente. Os pedestres terão prioridade e as bicicletas terão seu espaço apropriado. Nós ainda teremos carros — precisamos deles para transportar mercadorias — mas haverá poucos e circularão em baixa velocidade. Não podemos planejar a cidade pensando apenas em vias para carros circularem e espaços para estacionarem. Os espaços públicos precisam ter um uso equitativo.

Depois do almoço, encontro outra Reetta — nem todas as finlandesas se chamam Reetta, elas me garantem. Reetta Keisanen é coordenadora de ciclomobilidade da cidade, e ela consegue duas bicicletas de aluguel para darmos uma volta pela cidade. Primeiro, seguimos por uma ciclovia construída sobre uma extinta linha férrea, ligando o centro da cidade ao porto. Ao longo do caminho há um contador eletrônico de ciclistas — eu sou o 54.672º desde o início desse ano. Reetta II conta que 96% dos habitantes de Helsinque são a favor das bicicletas, embora Reetta I tenha advertido que esse número poderia ser menor, caso os motoristas tivessem noção de quanto espaço os carros têm perdido na cidade.

A bicicleta que Reetta me arranjou tem apenas três marchas e eu não estava vestido adequadamente para esse súbito exercício físico — em vez de shorts, estou usando calças grossas e um blazer — por isso, está incômodo, principalmente por pedalarmos à beira-mar. Mas logo me sentirei melhor, quando chegarmos à Regatta, uma pequena cafeteria de madeira que é um dos pontos turísticos de Helsinque.

Keisanen, que tem uns vinte e poucos anos, e é comprometida com a causa da sustentabilidade, está convencida de que uma grande mudança vem acontecendo. “Temos bastante trabalho a fazer porque muitos finlandeses ainda possuem carro”, diz ela, “mas nas cidades já é possível viver sem carro, e os jovens estão comprando menos carros do que os mais velhos”. O número de usuários de bicicleta em Helsinque duplicou desde 1997, e Keisanen prevê que aumente ainda mais, à medida que a rede de ciclovias seja expandida. Digo a ela que nem todos os ciclcistas se comportam bem no trânsito — principalmente os que vejo correndo feito loucos e andando na contramão em ruas de sentido único, em Londres — mas ela tem uma boa resposta: “Cada cidade tem o ciclista que merece. Se você oferece boa infraestrutura, você terá bons ciclistas. O mesmo acontece com motoristas e pedestres.”

Congestionamento na entrada do túnel do Brooklyn, que dá acesso à ilha de Manhattan, durante a primeira greve geral dos trabalhadores de transportes, em 1966. Foto: Arthur Schatz / The LIFE Picture Collection / Gett

Ter ou não ter carro: será o fim do automóvel?

Todas as tendências demonstram que estamos caminhando na direção desejada pelos ambientalistas. Então eles estariam tendo sucesso? “Estamos numa fase da história em que as pessoas, especialmente os mais jovens, querem poder decidir se querem ou não ter carro”, diz Jason Torrance, diretor de políticas da entidade pelo transporte sustentável, Sustrans. “Nós observamos uma grande mudança na questão da posse X uso, nos últimos cinco anos. Hoje em dia, existe o Spotify e outros serviços on-line. Toda minha coleção de discos está no sótão. Temos tudo no iTunes e Spotify e meu filho de seis anos mal sabe o que é um CD”.

Torrance diz que há demanda por alternativas ao automóvel e que algumas cidades — tanto da Europa como dos países em desenvolvimento, principalmente a China — estão respondendo a essa demanda. A cultura do automóvel, que predominou no Reino Unido desde a década de 1960 até o final da Era Tatcher, certamente não tem mais o mesmo peso, mas, diz ele: “Ainda há um apego muito grande ao carro no Reino Unido e nossos prefeitos precisam ser mais ousados”.

A resposta da entidade Sustrans para o que ela chama de “inércia governamental” está em se envolver em projetos locais, tais como ruas “faça você mesmo”, onde se trabalha com associações de moradores para reduzir o impacto que os carros causam à comunidade. O objetivo é permitir que os moradores decidam o que querem em termos de facilidade de circulação e número de vagas de estacionamento. “Acreditamos que moradores de ruas ‘faça você mesmo’ utilizam menos o carro e há um aumento significativo nos deslocamentos por bicicleta e no número de crianças brincando nas ruas”, diz ele.

Torrance acredita que ainda estamos apegados ao carro como um símbolo de status, mas outros discordam. Stephen Bayley, que escreveu diversos livros sobre design de automóveis, está convencido de que a Era do Automóvel está chegando ao fim. “Estamos chegando ao limite”, diz ele. “Não é mais racional utilizar o carro particular em cidades como Londres”. O carro foi inventado com o intuito de promover a liberdade, mas dirigir (e pior, estacionar) é quase um castigo.

Bayley também acredita que a chegada dos carros autônomos impactará na questão da posse do automóvel. Sexo, beleza, status, liberdade — todas as palavras que os publicitários tentaram associar ao carro nos últimos 50 anos — foram substituídas por mera funcionalidade.

“Foi feita uma pesquisa, mais ou menos um ano atrás, que entrevistou pessoas com idade entre 20 e 30 anos”, diz ele. “A grande maioria disse que, se tivesse que escolher entre viver sem o carro ou sem o celular, desistiria do carro e, em sua lista de marcas preferidas, nenhuma empresa fabricante de automóveis apareceu entre as 20 primeiras. Isso é uma mudança muito significativa. Vinte anos atrás, se você entrevistasse jovens, BMW e outras marcas de carro certamente estariam na lista”.

Modelos Citroën DS em exposição numa loja na Champs-Elysées, em Paris, nos anos 1960. Foto: Charles Edridge / Getty Images

Bayley relembra a homenagem do filósofo francês Roland Barthes ao Citroën DS, em seu livro Mitologias, de 1957. “Creio ser o automóvel o equivalente às grandes catedrais góticas no passado”, escreveu Barthes. “Uma grande invenção de uma época, concebida apaixonadamente por artistas desconhecidos, consumida por sua imagem, mais do que seu uso, por um povo inteiro que se apropria, através dela, de um objeto absolutamente mágico”. Hoje em dia os carros parecem todos iguais e, em breve, pelo que preveem os fabricantes, nós nem precisaremos nos preocupar em dirigi-los.

Christian Wolmar, especialista em transportes, que é candidato a prefeito de Londres pelo Partido Trabalhista, para 2016, comemora essa desmistificação do carro. “As atitudes mudaram”, diz ele. “Meu enteado não teve interesse em tirar carteira de motorista até completar 27 anos. Nenhum dos meus filhos deseja ter carro, como desejávamos no passado. Quando eu era adolescente (hoje ele tem 65 anos), nós morávamos em Kensington e eu costumava pegar emprestado o carro da minha mãe, ir até o centro à noite, estacioná-lo num lugar qualquer, ir ao cinema ou à boate e depois voltar para casa. Isso é inconcebível hoje em dia, por conta da Lei Seca, da dificuldade para estacionar e toda essa chateação. Nós já passamos a usar menos o carro. No trem, nós podemos usar o celular. O limite do automóvel parece já ter chegado nos EUA, com os jovens preferindo o transporte coletivo. E já há uma tendência dos mais jovens não verem o carro mais como algo tão importante em suas vidas”.

Fim do automóvel. Esta é uma expressão que eu escuto constantemente. A questão central do debate urbanístico é saber se há uma tendência irreversível de mudança do carro para outras formas de transporte. Glenn Lyons, fundador do Centro de Transporte e Sociedade, da Universidade do Oeste da Inglaterra, não tem dúvida de que uma mudança significativa está acontecendo. “Na década passada, antecedendo a crise econômica global, o uso do automóvel não cresceu. Isto não aconteceu apenas no Reino Unido, mas em outras economias desenvolvidas do mundo”.

Segundo Lyons: “Há que se fazer um destaque. Cada vez menos jovens estão tirando carteira de motorista e há fortes indícios de que a Era Digital está contribuindo para a menor dependência dos transportes. Estamos em meio a uma profunda transformação da sociedade. É cada vez mais comum vermos o carro como uma tecnologia funcional, para ir do ponto A ao ponto B, do que a representação simbólica que ele costumava ter para as gerações anteriores. Não quero sugerir que o carro chegou ao seu fim, mas acredito que ele ficará em segundo plano”.

David Metz, ex-cientista-chefe do Departamento de Transporte e, agora, professor visitante do Centro de Estudos sobre Transporte, da University College London, publicou um livro, no ano passado, chamado “Peak Car” (“O fim do automóvel, em tradução livre), no qual ele argumenta que “o uso do carro nos países desenvolvidos chegou ao limite” e que “chegamos ao fim de uma Era na qual nos deslocávamos mais”. “O uso per capita do automóvel, na maioria dos países desenvolvidos, parou de crescer”, diz ele, “e parou de crescer já antes da crise econômica de 2008. Se você analisar os dados do Reino Unido, verá que houve um crescimento de longo prazo no uso do automóvel, que chegou ao fim já no final da década de 1990”.

Veículos de Personal Rapid Transport — PRT em exposição no Instituto de Ciência e Tecnologia da cidade de Masdar, em Abu Dhabi. Foto: Iain Masterton / incamerastock / Corbis

Um pouco mais cético é Stephen Glaister, ex-professor de Transportes no Imperial College e prestes a se aposentar como diretor da Royal Automobile Club Foundation: “Até a Crise de 2008, em termos gerais, o crescimento (do uso do automóvel) foi contínuo”, ele coloca. “Após a crise, os mais jovens foram mais impactados economicamente, então não é de se estranhar a diminuição no número de novos motoristas. Até que ponto isso tem relação com uma mudança geral de atitude, ainda merece ser estudado. Vamos aguardar que eles cheguem aos 30 anos e constituam família”.

Glaister aponta que o Departamento de Transportes ainda está prevendo um aumento do uso do automóvel na ordem de 25%, até 2040. “É possível fazer suposições sobre o preço do petróleo e sobre os efeitos demográficos”, diz ele, “mas qualquer que seja a maneira de tratar a questão, haverá substancial crescimento no uso do automóvel”. Stephen Joseph, diretor executivo do Movimento pela Melhoria dos Transportes, diz que o Departamento de Transporte está desatualizado e baseia-se em ideias atrasadas: “Ainda se trabalha com políticas públicas, manuais e maneiras de pensar de 1989, de quando se acreditava que o nosso futuro seria como Los Angeles e que essa seria a ordem natural das coisas. Mas não é verdade. Sequer é verdade mundo afora: há exemplos, na América Latina, por exemplo, de cidades que são estruturadas em função dos ônibus, não dos carros. Essa ideia de que o desenvolvimento natural das cidades é ser igual a Los Angeles, nem mesmo Los Angeles pensa mais assim”.

Então o que acontecerá com os fabricantes de automóveis? Questionei o executivo da BMW, Glenn Schmidt, numa conferência sobre carros autônomos, organizada pela Associação da Indústria Automobilística (Society of Motor Manufacturers and Traders – SMMT), que estava dando uma palestra sobre o que essa nova geração de carros significava para fabricantes como a BMW, que, tradicionalmente, sempre enfatizou o prazer de dirigir. Em sua fala, ele admitiu que estamos observando agora “uma mudança da 'propriedade' para o 'acesso' à mobilidade”, e que os jovens estão menos interessados em ter carro do que antigamente. Daí o apoio da BMW ao “DriveNow”, um serviço de aluguel de carros que se estabeleceu na Alemanha, nos Estados Unidos e, mais recentemente, em Londres.

“Há uma profunda mudança em curso”, diz Schmidt, “e se você olhar para as cidades congestionadas, a solução não pode ser injetar mais carros nessas cidades”. Então a BMW venderá menos carros? “Obviamente. Temos os carros no DriveNow e, usualmente, os mais jovens vão optar por utilizá-los. Futuramente vão comprar seus próprios carros. O DriveNow é um mecanismo para atrair os mais jovens. Ele faz o elo para que os jovens conheçam nossa marca e, mais tarde, se interessem em comprar nossos veículos”. Isso, pelo menos, é o que esperam os fabricantes de automóveis.

Jean-Philippe Hermine, vice-presidente de planejamento ambiental estratégico da Renault, que foi pioneira nos carros elétricos, concorda que agora os veículos são vistos de maneira diferente. “Nossa relação com o carro está mudando”, diz ele. “Você pode questionar a necessidade de ter seu próprio carro. Algumas pessoas estão à procura de funcionalidade. Com nossos carros elétricos, onde os clientes podem alugar a bateria, nós estamos, de certo modo, vendendo mobilidade e quilometragem, mais do que automóveis”.

Um exemplo de carro autônomo da Google em teste em Mountain View, California. Foto: Eric Risberg / AP

A revolução está prestes a acontecer — principalmente se Google e Apple concretizarem seus experimentos com carros autônomos — e, certamente, acontecerão acidentes, mas, no momento, os fabricantes estão citando o velho ditado de que toda crise traz oportunidades. Ninguém quer ficar pra trás — a Autolib' está pronta para entrar em funcionamento em Londres, com sua frota de carros elétricos, também assumirá a gestão da infraestrutura para carregamento das baterias dos carros na capital inglesa —, a consolidação dos carros compartilhados parece inevitável, com algumas empresas nacionais dominando o mercado, utilizando aplicativos para celulares. Este é um setor que dependerá da economia de escala.

“Nós veremos uma grande mudança nas próximas duas décadas”, diz Richard Brown, gerente do grupo de produtos avançados da Ford, “e o carro, com certeza, fará parte da 'internet das coisas', da qual tanto se fala. Nós temos que estar preparados para aproveitar esse potencial e as oportunidades que virão. Nós vimos, nos últimos cinco ou dez anos, empresas que não enxergaram as mudanças que aconteceram ao seu redor e que não existem mais. Veja o que aconteceu com a Kodak e com a Nokia. Nós não queremos nos tornar uma Nokia”.

“Nós sempre escutamos que as pessoas são apaixonadas por carros. Mas são mesmo?” Sampo Hietanen me questiona, durante um seminário organizado pela usina de ideias Nesta, para discutir “mobilidade como um serviço”. “Se te oferecem um serviço de qualidade, você abandona o carro”, diz ele. “Se eu te oferecer uma quantia de uso gratuito de táxi e garantir que você pode fazer todas as suas viagens de táxi, você vai se perguntar: ‘Para quê eu preciso ter carro?’”

Hietanen defende que, no futuro, em vez de comprar um carro, teremos um contrato mensal com uma empresa que irá suprir todas as nossas necessidades de mobilidade. Então, quanto tempo levará até que esses prestadores de serviço comecem a aparecer? “Eu imagino que os primeiros prestadores de serviço aparecerão já no próximo ano”, diz Hietanen. “Não vai demorar até que alguma empresa ofereça esse tipo de serviço em Londres”.

O consultor de transportes George Hazel, outro palestrante do seminário, apresenta um relatório com os 16 principais provedores de mobilidade a entrar no mercado global. “A ideia é que o provedor entenda as necessidades do usuário, acompanhando constantemente seu perfil e apresentando um plano que mais se adeque ao seu perfil e à sua capacidade de pagamento”. Para os provedores de mobilidade, diz ele, a vantagem será que, uma vez tendo o usuário como cliente, eles poderão oferecer uma gama de serviços além do transporte.

A visão de Hazel me faz lembrar a de um consultor com quem conversei na conferência da SMMT, que disse que, no futuro, os carros que as pessoas dirigem (ou que as dirigem) terão menos valor do que os dados disponíveis sobre as pessoas: quais os deslocamentos que elas costumam fazer, o que elas escutam ou assistem enquanto os carros as levam de um ponto a outro, onde elas passam suas férias e até mesmo como elas se sentam no carro. Ele prevê uma época em que o carro conectado e autônomo será fornecido gratuitamente e, então, o provedor poderá ter o usuário em sua base de dados e conhecer seu perfil. O carro será um chamariz para outros negócios.

Proposta do Plano Diretor da cidade de Masdar, Abu Dhabi, que mantém a área central livre dos carros. Ilustração: Foster and Partners

Cidades do futuro — sem carros?

Numa radiante manhã de primavera, conheci David Nelson, chefe de design do escritório de arquitetura Foster and Partners, e Bruno Moser, chefe da divisão de planejamento urbano. Cresce, cada vez mais, o interesse do escritório Foster and Partners em conceber planos para cidades inteiras e incluir conceitos de sustentabilidade nos países em desenvolvimento. Em Abu Dhabi, dedicou os últimos dez anos criando a cidade de Masdar, um assentamento ambientalmente correto, que terá no máximo 100 mil habitantes, onde os carros serão mantidos fora do centro e serão encorajados a caminhada e o uso da bicicleta.

“Nós buscávamos projetar uma cidade com zero emissão de carbono, zero produção de resíduos e a mobilidade desempenha um papel fundamental nessas questões”, diz Nelson. O que ele chama de “carros-carbono” serão mantidos fora do perímetro central e, para o centro, o escritório Foster and Partners projetou um veículo pessoal, similar àqueles utilizados no Terminal 5 do aeroporto de Heathrow, em Londres. A crise de 2007/2008 retardou a implantação do projeto e, até agora, apenas as duas primeiras fases foram concluídas. Mas Nelson assegura que o projeto tem sido um sucesso, apesar das críticas à lentidão na implantação e à escassez de habitações com preços acessíveis, que faz com que muitas pessoas tenham que realizar deslocamentos pendulares, o que vai de encontro aos principais objetivos do plano.

O escritório Foster and Partners está mais preocupado com as cidades dos países em desenvolvimento do que com as cidades europeias. Moser acredita que a batalha contra o carro já foi mais ou menos vencida no ocidente, onde a frota de automóveis per capita é menor nas áreas centrais do que na periferia e nas áreas rurais. Porém, nos países em desenvolvimento ocorre o contrário: as pessoas com maior renda costumam morar nas áreas centrais e, a menos que haja um trabalho de conscientização por parte do poder público, aliado a políticas de restrição ao uso do automóvel, haverá um crescimento exponencial na sua posse e seu uso.

“Se as cidades dos países em desenvolvimento seguirem o mesmo caminho adotado pelas cidades dos países desenvolvidos nas últimas cinco décadas, nós teremos um grande problema”, diz Moser. Nelson acredita que há uma grande oportunidade para adotarmos novas soluções, mas teme que “o desejo pelo estilo de vida da classe média, que inclui o automóvel” possa atrapalhar. “Se planejarmos as cidades em função do automóvel, os exemplos dos EUA nos mostram como será: avenidas com seis faixas de rolamento cortando a cidade. O carro dita as regras e a cidade é construída em função dele. Isso já está acontecendo bastante na Ásia e quando vamos desenvolver um projeto por lá, tentamos convencer as pessoas de que esse não é o melhor caminho a seguir.

Mesmo numa megacidade congestionada e dependente do automóvel, como Mumbai, há sinais de que a ideia de uma cidade livre de carros está ganhando espaço. Em outubro de 2014, a Campanha pelo Uso Equitativo das Ruas (Equal Streets movement) deu início ao fechamento de um trecho de 1,6 km da principal avenida da cidade, aos domingos, para que os moradores (que estavam carentes de espaços públicos de lazer) pudessem caminhar, pedalar e praticar outras atividades. Apesar dos políticos de Mumbai continuarem empenhados em construir novos viadutos, a enorme aglomeração de pessoas nas ruas e o péssimo estado de conservação das estradas funcionam como desestímulo ao desejo de ter um carro.

Congestionamento numa das principais vias de Mumbai durante a hora do rush. Foto: Rajanish Kakade / AP

A última parada da minha viagem é na Impulsionadora de Cidades do Futuro (Future Cities Catapult), que visitei na inauguração de seu novo escritório na periferia de Londres — e que estava com cheirinho de novo. O governo criou essas “impulsionadoras” em áreas estratégicas (energia, transporte, terapia celular, economia digital) para estimular a inovação e funcionar como um elo entre a academia e a indústria. Aqui, certamente, eles têm uma visão clara dos rumos que nossas cidades tomarão.

“Espero que estejamos rumo ao fim do automóvel,” diz Dan Hill, Diretor Executivo de Futuras e Melhores Práticas, enquanto nos sentamos para conversar no showroom/lounge. Mesmo nos países em desenvolvimento? “Eles têm a oportunidade de aprender com os erros que cometemos nas últimas cinco décadas e pular certas etapas”, diz ele com otimismo.

“Durante o século XX, a abordagem para resolver as questões de mobilidade, bem como de habitação, baseava-se em construir mais rodovias (ou mais trilhos). No século XXI, temos que adotar a abordagem da ‘não-construção’, otimizando a infraestrutura existente,” diz Hall. “É aí que podemos dizer que um serviço de compartilhamento de carros autônomos transformará radicalmente a maneira como as pessoas se deslocam nas cidades, sem que seja necessário construir uma avenida sequer, da mesma maneira que estamos vendo empresas como a Airbnb transformando radicalmente o setor de hospedagem, sem construir um hotel sequer. Eles não são donos de nenhuma hospedagem, são meros intermediários, mas estão mudando radicalmente o setor. O Uber não possui um carro sequer, mas está transformando a mobilidade urbana.”

A revolução na mobilidade urbana já está em curso, segundo Hill, e só tende a se intensificar. Ele acredita que a ideia de Hietanen, da “mobilidade como um serviço”, está prestes a se tornar realidade e concorda com a afirmação de Bayley, que a Era do Automóvel está chegando ao fim. “A ideia de cada pessoa ter seu próprio carro para se deslocar pela cidade soa absurda para mim. É uma loucura.”

Viaduto da rodovia Edgware, em Londres, em sua inauguração, em 1967.

Mas quanto tempo durará essa revolução? Hill diz que “depende da cidade. Em cidades como Helsinque, Copenhague ou Zurique, esses pequenos núcleos com uma população metropolitana em torno de 2 milhões de habitantes, acredito que já veremos a “mobilidade como um serviço”, como uma realidade, nos próximos cinco anos. Eles já têm meio caminho andado. Já têm a Zipcar (empresa de compartilhamento de carros) e a Uber, um ótimo serviço de transporte público, calçadas acessíveis, infraestrutura para bicicleta e uma forte política pública de redução de emissão de poluentes. Então, eu não vejo porque em cinco anos nós não alcançaríamos uma mudança significativa na realidade atual.”

Essas, porém, serão as mais fáceis. “Em cidades como Londres, que é 15 vezes maior que Copenhague, é realmente difícil dizer. Vai depender das decisões tomadas pelo Departamento de Transporte e de empresas como Ford e BMW, naquilo que elas avançarem em novas experiências de mobilidade. Falando de cidades como Sydney e San Diego, podemos imaginar um horizonte de 20 a 30 anos até que possamos observar mudanças significativas.

“Depois de construir todos esses viadutos e avenidas, gastar-se-á muito tempo e dinheiro para demoli-los e remodelá-las. Fez-se uma grande aposta no automóvel, na década de 1950, e vai demorar um pouco até que alteremos tudo que foi feito ao longo dessas décadas. Uma cidade como Londres, que tem cerca de dois mil anos, apresenta-se como uma sobreposição de escolhas diferentes feitas ao longo de diversos momentos históricos, não como uma única visão predominante. E isso a faz mais interessante e mais adaptável.”

O que é bastante evidente é que teremos o século XXI para reverter aquilo que foi feito a partir da segunda metade do século XX. Precisamos adensar as cidades a partir da ideia do bairro como o local onde se pode ter tudo que precisa em matéria de trabalho e lazer. Haverá menos segregação de funções, menos deslocamentos pendulares, menos viagens.

“Para mim, os últimos 50 ou 60 anos se apresentam como uma anomalia”, diz Hill. “Eu não sei se você percebeu, mas eu não dirijo. Eu acredito que, no futuro, nós olharemos para trás e diremos: ‘Não é estranho que, no passado, nós tínhamos que dirigir nossos próprios carros?’ Nas décadas de 1920 e 1930, você ia à mercearia do seu bairro, fazia as compras e, assim que você chegava em casa, um garoto entregava suas compras de bicicleta.”

Segundo Hill, essa época e esses serviços voltarão. Bairros e comunidades autossuficientes terão mais importância numa era que será dominada não pelo carro, mas pelo smartphone e pela internet. É o fim do motorista. Viva os hipsters!

Você consegue perceber o declínio do automóvel em sua cidade? Deixe seu comentário.

  
*Tradução livre a partir de artigo publicado originalmente em www.theguardian.com, em 28/04/2015.

_____________________________________________

Leia também:

- Carros do século XXI

- Como Vancouver conseguiu tirar do automóvel metade da sua população (em inglês)
  
  

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Duplicação da rodovia AL-101 Norte


Aconteceu, na manhã de hoje, no auditório da Escola Fazendária, no bairro de Jacarecica, audiência pública para tratar do processo de licenciamento ambiental da obra de duplicação da rodovia AL-101 Norte. A audiência foi convocada, por meio do Diário Oficial do Estado de Alagoas, de 22/12/2015 (pg. 29), pela Secretaria de Estado de Transporte e Desenvolvimento Urbano - SETRAND, por determinação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas – IMA-AL.


A audiência teve início às 10h15, com a composição da mesa, seguida pela apresentação (vídeo) do projeto de duplicação da rodovia feita pela Sra. Andreia Estevam, representante da SETRAND. Após sua apresentação, o Sr. Carlos dos Anjos foi convidado para apresentar o “estudo ambiental” (vídeo) realizado pela empresa ATP/Green Consult do Brasil.

Às 11h, foram abertas as inscrições para intervenções do público. Dentre as falas, podemos citar algumas considerações feitas pelos presentes:


1) Alberto Fonseca (vídeo), promotor responsável pela Promotoria do Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual, questionou a data escolhida para a realização da audiência, imprópria para a efetiva participação da população, devido à ausência de pessoas da cidade, por conta dos festejos de final de ano, e dos órgãos públicos que se encontram em recesso, bem como o prazo curto para a convocação da audiência (inicialmente em 18/12, corrigido no Diário Oficial de 22/12). Fonseca também questionou a não publicação em Diário Oficial da abertura do processo de “Licença Ambiental de Instalação”, sendo publicado apenas o processo de “Licença Ambiental Prévia” feita pela SETRAND ao IMA-AL, quando já há placa na rodovia indicando o início da obra em 18/01/2016.


2) Daniel Moura, arquiteto e urbanista, apresentou posicionamento contrário à realização da obra e dividiu sua fala em três pontos:

2.1) Falta de planejamento participativo — Segundo Daniel, é muito comum ouvir da população e de gestores públicos que “Maceió é uma cidade que não foi planejada”, para justificar os problemas que a cidade tem hoje. Mesmo discordando dessa afirmação (pois houve sim planejamento ao longo das décadas, o que não houve, e continua não havendo, é a participação da população nas decisões), Daniel aponta a duplicação da rodovia AL-101 Norte como mais uma obra que será feita sem a participação da população no processo de planejamento. Desde 17/10/2015, vem sendo realizada a revisão do Plano Diretor de Maceió (que é de 2005), e em nenhum momento, o projeto de duplicação foi apresentado ou discutido nas 3 audiências e 10 oficinas realizadas até agora para a revisão do Plano Diretor. Ésio Melo (vídeo) e Renan Silva (vídeo), membros do Conselho Municipal do Plano Diretor confirmaram o que foi dito por Daniel. Andreia Estevam, que é representante da SETRAND no Conselho, disse que o projeto está sendo discutido num “núcleo de Mobilidade Urbana”, do qual Ésio Melo, Renan Silva e Daniel Moura (que participaram das 13 reuniões para revisão do Plano Diretor) nunca ouviram falar.

É importante destacar aqui que, em abril desse ano, a Prefeitura de Maceió tentou implantar uma ciclofaixa na rua Deputado José Lages, no bairro de Ponta Verde, com cerca de 1 km de extensão, que seria nada mais do que a sinalização do espaço viário, delimitando o espaço por onde as bicicletas deveriam circular. A Associação Brasileira de Bares, Restaurantes e Similares – Seccional Alagoas – Abrasel/AL, preocupada com as vagas de automóveis (em espaço público!) que seus clientes perderiam, entrou com Mandado de Segurança solicitando a suspensão da intervenção realizada pela Prefeitura, que foi concedida pelo juiz Antonio Emanuel Dória Ferreira, com o argumento de que não houve planejamento e participação popular, cobrando estudos mais aprofundados para a implantação da ciclofaixa no local. Ora! Se uma simples pintura de ciclofaixa numa rua com 1 km de extensão precisa de estudos mais aprofundados e ser planejada com a participação popular, por que a duplicação de uma rodovia com 5,8 km de extensão, passando por três bairros e custando mais de R$ 40 milhões não precisa?

2.2) Conceito urbanístico — Daniel também argumentou que, urbanisticamente, essa obra de duplicação é inaceitável, pois promete resolver o que não vai resolver e ainda cria mais problemas e custos para a cidade. O discurso do governo é o de que a duplicação melhorará o trânsito (de automóveis) na região. Esse é um conceito da década de 1950, auge do rodoviarismo no Brasil, de quando se acreditava que resolver-se-iam os problemas de mobilidade oferecendo mais espaço para os automóveis. Em analogia, seria o mesmo que uma pessoa que está engordando afrouxar seu cinto, em vez de fazer exercícios físicos e/ou melhorar sua alimentação. Obras que buscam melhorar a mobilidade urbana oferecendo mais espaço para os automóveis só estimulam ainda mais o uso do automóvel, voltando aos problemas iniciais de congestionamentos. A própria rodovia AL-101 Sul, cuja duplicação foi inaugurada em setembro de 2012, já apresenta os mesmos congestionamentos que apresentava antes de ser duplicada. Ou seja, foi dinheiro público (R$ 196 milhões) desperdiçado:

Rodovia AL-101 Sul, num sábado, 02/01/2016, às 17h56, logo após o viaduto do trevo da Praia do Francês, sentido Maceió.

Há quem diga que, se a rodovia AL-101 Sul não tivesse sido duplicada, o congestionamento estaria pior. Isso é uma meia verdade. Quando a via é duplicada, há uma percepção de melhoria pelos usuários, que voltam a trafegar novamente por ela, novos empreendimentos imobiliários surgem se valendo da facilidade de tráfego, aumenta novamente o número de carros e os congestionamentos retornam. Isso vai acontecer infinitamente, seja qual for o número de pistas oferecidas. É o que os especialistas chamam de “demanda induzida”. O exemplo abaixo mostra uma via com 23 pistas de largura, nos EUA, e que mesmo assim apresenta congestionamento:

Houston’s Katy Freeway, Texas, EUA
Fonte: StreetsBlog USA
 
O que vem se buscando, mundo afora, nas cidades onde os recursos públicos são tratados com seriedade, é justamente o oposto: restringir o espaço do automóvel, reestruturar o transporte coletivo e incentivar o uso de veículos de propulsão humana. O conceito de TOD (Transit-oriented development) vem sendo utilizado em diversas cidades do mundo e mesmo do Brasil (como Curitiba) e visa ocupar o território urbano de maneira mais racional, induzindo a ocupação em função da rede de transporte coletivo, com maior densidade populacional, que incentiva o uso da bicicleta e do caminhar (reduzindo as viagens motorizadas de curta distância). Este modelo de cidade é mais econômico do ponto de vista da infraestrutura urbana, por sua alta densidade, como mostra Mascaró, no gráfico abaixo:

 
Fonte: MASCARÓ, Juan Luís. Desenho Urbano e custos de urbanização. Porto Alegre, MHU, 1987

A cidade rodoviária espraiada (tal qual propõe a duplicação da AL-101 Norte), construída em função do automóvel, é insustentável, pois, assim como acontece com os gases, quanto mais espaço é oferecido ao automóvel, mais espaço ele ocupará. Além do que, para que os automóveis consigam circular, a densidade populacional precisaria ser extremamente baixa, o que elevaria os custos de infraestrutura urbana apresentados no gráfico anterior. Daniel chegou a questionar a representante da SETRAND sobre qual a previsão de incremento populacional que se projeta para os bairros do litoral norte da cidade, que hoje concentra cerca de 20 mil habitantes (IBGE, 2010), ou seja, apenas 2% da população de Maceió. A resposta da representante da SETRAND foi: “Nós não temos esses dados”.

O que vem sendo pactuado nas discussões da revisão do Plano Diretor é o conceito de “cidade compacta”, a fim de evitar a expansão horizontal da cidade, de ocupar os vazios urbanos presentes na cidade consolidada, como forma de garantir um melhor aproveitamento da infraestrutura urbana e com isso, reduzir os custos de urbanização pagos pela sociedade (sistema viário, saneamento básico, coleta de lixo, transporte coletivo, etc). Daniel apresentou a proposta de zoneamento que foi elaborada por arquitetos e urbanistas em oficinas realizadas no Conselho de Arquitetura e Urbanismo, durante os meses de novembro e dezembro deste ano, para ser encaminhada para o processo de revisão do Plano Diretor, com o intuito de adensar a cidade consolidada e evitar a expansão horizontal.
    
    
2.3) Democracia “representativa” — Não tendo interesse em realizar um amplo debate com a sociedade sobre os benefícios (se é que existem) e os prejuízos da duplicação da rodovia para a cidade, os representantes do governo poderiam dizer que o governador é representante da sociedade, pois foi eleito democraticamente pelo voto popular. Nas palavras de Jessé de Souza:

"O cidadão brasileiro tem de ter acesso a informações contraditórias, a opiniões divergentes. Porque, sem isso, o voto é desqualificado, manipulado."

Nossa democracia não é perfeitamente legítima, pois os candidatos eleitos quase sempre são aqueles que tiveram maior financiamento de sua campanha eleitoral, que tiveram mais recursos para usar na propaganda eleitoral. Comumente, as empresas que financiam os políticos mais votados, seja da eleição majoritária, seja da proporcional, são as mesmas. Basta conferir no site do TSE. Ou seja, depois de eleito o candidato, é óbvio que as empresas que financiaram sua campanha cobrarão o retorno do “investimento” que fizeram. Com isso, mesmo que se tente explicar ao governante que tal obra elevará o custo per capita de urbanização, à medida que a infraestrutura de uma área maior da cidade será rateada por um número menor de pessoas, essa conta não interessa ao governante. O que interessa ao governante é atender aos interesses das empresas que financiaram sua campanha eleitoral e que o financiarão nas próximas: ampliar a rede viária, ampliar a rede de abastecimento d’água, de esgoto e drenagem, ampliar o serviço de coleta de lixo, aumentar as vendas das concessionárias de automóveis na cidade, aumentar a venda de combustível, ampliar as distâncias percorridas pelas empresas de ônibus (com consequente aumento da tarifa para o usuário), em resumo, favorecer a expansão imobiliária, para que construtoras possam implantar seus loteamentos e vender seus apartamentos luxuosos na região do litoral norte de Maceió, uma região de paisagens exuberantes, mas de ecossistema frágil e inadequado ao adensamento populacional, onde se encontram dezenas de fozes de rios e riachos. Ou seja, a lógica do governante não é a do que é mais econômico e sustentável para os cidadãos. É a lógica do que é mais lucrativo para as empresas que financiam suas campanhas eleitorais. A duplicação da rodovia AL-101 Norte faz parte do mesmo pacote de obras que vem sendo realizadas pela Prefeitura de Maceió, que decidiu alocar R$ 68 milhões do PPA 2014-2017 nos bairros de Cruz das Almas e Jacarecica para expandir os negócios das empresas do setor imobiliário na região.
 
 
Após a fala de Daniel Moura, a representante da SETRAND respondeu da seguinte forma:

"A cidade cresceu. A gente não pode virar as costas. A gente não pode esperar que o trem chegue lá, porque não chegou nem em Jaraguá. O trem tá tentando chegar em Jaraguá há quantos anos? De fato, a teoria é linda: transporte de massa, ferroviário... esse sim é que devia estar... o Brasil parou quando resolveu apostar no rodoviário e agora ele tá tentando correr atrás do prejuízo. Agora, na hora que você diz que o litoral norte todinho faz parte do perímetro urbano da cidade, você tem que enfrentar! Não pode ficar esperando que o trem chegue lá. Ninguém faz um omelete sem quebrar os ovos. Bote isso na cabeça! Uma coisa é você planejar a cidade do nada. Outra coisa é você pegar a cidade já com 1 milhão de habitantes e tentar minimizar, porque não é nem planejar! É correr atrás do prejuízo."


3) Ésio Melo (vídeo), participante do movimento Abrace a Garça (que defende a preservação ambiental do bairro de Garça Torta e demais bairros do litoral norte de Maceió) e membro do Conselho do Plano Diretor de Maceió, criticou a falta de discussão do projeto de duplicação da rodovia com a sociedade, visto que vários comerciantes e moradores das margens da rodovia presentes à audiência afirmaram estar tomando conhecimento do projeto apenas hoje, quando já há um outdoor informando sobre o início da obra no dia 18/01/2016.

Ésio também criticou os impactos ambientais que a obra trará com o aumento populacional nos bairros do litoral norte que, segundo ele, será a repetição dos erros cometidos nos bairros de Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca, que têm suas praias impróprias para banho, devido à poluição que a cidade despeja no mar.

4) Nichole Dellabianca, arquiteta e urbanista, disse que participou, no dia 17/12/2015, da 13ª edição do Fórum Sustentável de Maceió, onde o Governo de Alagoas apresentou a proposta de contratar, por meio de Parceria Público-Privada - PPP, 100% do esgotamento sanitário de Maceió (hoje apenas 30% da cidade é atendida) até o final de 2018 e que pretende implantar cerca de 70% da rede no mesmo prazo. Como sabemos que habitação, saneamento e mobilidade não podem estar desconectados, Nichole cobrou que, antes de se realizar a obra de duplicação, seja implantado o sistema de coleta de esgoto, de modo a evitar o desperdício de recursos públicos cavando a rodovia, depois de pronta, para implantar a tubulação coletora de esgoto. Após a fala de Nichole, várias pessoas pediram que outras audiências sejam marcadas para debater o projeto com mais detalhe.

Andreia Estevam, representante da SETRAND, respondeu:

"Na realidade, essa reunião foi mais para o Estudo de Impacto Ambiental, não foi para conhecer o projeto. Acredito que, para o projeto, deverá haver uma mais detalhada.
[...]
Uma cidade que vive do turismo deveria priorizar o saneamento. Maceió está elaborando seu Plano Municipal de Saneamento Básico e o Estado participa. A Bacia do Litoral Norte, foi agora, recentemente, o primeiro mapa que a gente tem da bacia foi disponibilizado (acho que) mês passado, agora em novembro. Tá estudando qual seria a melhor forma de tratamento: se emissário, se Lagoa de Estabilização, o que for... Tá em discussão. Participem do Plano Municipal de Saneamento! Essa obra, no seu escopo, não tem saneamento. Mesmo porque, iria ligar nada a nada, porque se não tem ainda que forma vai ser tratada, que destinação, se emissário, onde vai ser, se vai ser bacia, onde vai ser, tem que esperar... E acredito que a cidade não para. É como trocar o pneu do carro com o carro andando."

    
Daniel Moura argumentou que, se os recursos são escassos e tem que optar entre construir a rodovia ou implantar o saneamento, é melhor que se faça primeiro o saneamento: "Nós vamos expandir a cidade sem antes resolvermos as necessidades básicas?"

Andreia continou:

"Os programas federais já vêm indicados para que infraestrutura será feita. Então, se abriu recurso para rodovia, pega-se; Abriu recurso para saneamento, pega-se. Esse, veio específico para rodovia. Por que a AL? Porque ela é uma rodovia. Ela, de fato, promove a integração regional (Pernambuco-Alagoas). O recurso não dá para fazer ela toda. Então vai fazer por partes. Infelizmente é assim que a coisa pública funciona..."
  
Daniel Moura disse que não deveria ser assim (sem um planejamento integrado), que essa é a forma errada como a coisa pública funciona.

Andreia continuou:

"...A gente não tem, nesse momento de crise, o recurso para fazer a AL-101 Norte todinha, até a fronteira. Seria o ideal!"
    
 

5) Lara Tapety (vídeo) (participante do movimento Abrace a Garça) e Bruno Stefanis (representante do Instituto Biota) criticaram o questionário realizado com moradores da região, sobre serem a favor ou contra a duplicação da rodovia. Segundo eles, além de apresentar perguntas tendenciosas, com respostas apenas de “sim” ou “não”, não foram apresentadas outras soluções, como o VLT ou a melhoria do transporte coletivo na região. Também alertaram que, estatisticamente, o universo de pessoas questionadas, 100, num total de 20 mil habitantes não é representativo.
 
Lara também criticou a data escolhida para a audiência pública e a necessidade de aprofundar o debate com a população, apontando os impactos positivos e os impactos negativos da duplicação da rodovia, pois, mesmo que os impactos positivos sejam em maior quantidade, segundo o que foi apresentado pela consultoria que elaborou o “estudo ambiental”, os impactos negativos podem ser mais graves, como os inúmeros casos de perdas de vidas de pedestres e ciclistas que ocorreram na rodovia AL-101 Sul, após sua duplicação.


6) Renan Silva (vídeo), arquiteto e urbanista, membro do Conselho do Plano Diretor de Maceió apontou a insustentabilidade de uma obra que tem o intuito de ofertar mais espaço para circulação de automóveis. Renan disse considerar “incrível que, ainda hoje, estejamos discutindo investimentos em infraestrutura rodoviária, quando o mundo todo está na contramão, porque percebeu que isso não dá certo". Renan também questionou como uma cidade carente de recursos, como Maceió, não investe em necessidades básicas, como o saneamento básico (Maceió tem apenas 30% do seu território atendido por rede de esgoto), segurança pública, saúde pública, e vai gastar recursos da ordem de R$ 45 milhões com uma obra que já se sabe ser insustentável.
 
Renan pediu para que cada um dos presentes pensasse no conceito de “desenvolvimento”, pois obras como essa são apresentadas por governos como sinônimo de desenvolvimento e questionou se isso realmente representa desenvolvimento. Renan disse compreender que as pessoas acreditem que esse tipo de obra representa desenvolvimento, pois, há mais de cinco décadas que esse modelo de mobilidade urbana focado no automóvel é “empurrado goela abaixo” dos cidadãos, seja pela mídia, seja pelos governantes.

Renan lembrou que Maceió já teve um sistema de bondes, do final do século XIX até a metade do século XX. Hoje, inúmeras cidades do mundo estão reativando seus bondes e Maceió continua insistindo na mobilidade focada no automóvel. Renan citou o processo de substituição dos bondes por automóveis/ônibus apresentado no documentário Taken For A Ride, de 1996.
  
Renan apresentou os dados que já apresentara em 05/08/2015, na audiência pública realizada no Ministério Público Federal, onde se debateu sobre a intenção do mercado imobiliário de construir torres de apartamentos no litoral norte de Maceió. Segundo Renan, há hoje cerca de 3 mil carros registrados nos bairros do litoral norte de Maceió (com exceção de Jacarecica e Cruz das Almas). Apenas com as 21 torres de apartamentos que estão aprovadas para a região, deverão ser acrescentados 5 mil automóveis à frota desses bairros.
  
Outras falas, não menos importantes, também foram feitas, principalmente por empresários e moradores da região, que se disseram pegos de surpresa com o início da obra previsto para 18/01/2016, sem que houvesse qualquer discussão pública com a comunidade. A audiência foi encerrada às 12h40.

______________________________________________


Leia também:

- O espraiamento de Maceió - 09/05/2014
 
- Transporte ferroviário pode ser solução para a mobilidade urbana - 11/04/2010
 
- Ufal debate Mobilidade Urbana - 27/11/2013
 
- Os Planos e as obras - 20/04/2011
 
- A Cidade das Curtas Viagens - 25/10/2010
 
- Ideias equivocadas - 17/06/2010
     
      

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

1ª Reunião do Conselho Municipal do Plano Diretor


Na manha de hoje, na sede da Procuradoria Geral do Município, aconteceu a primeira reunião do Conselho Municipal do Plano Diretor. A criação do Conselho está prevista nos artigos 182 e 183 da Lei municipal nº 5.486/2005 (Plano Diretor de Maceió).

Dentre as atribuições do Conselho, estão:

"Art. 1º

(...)

I - acompanhar a aplicação dos instrumentos do Plano Diretor de Maceió com vistas ao aperfeiçoamento institucional e social dos instrumentos da legislação municipal referentes à matéria;

II - divulgar perante a sociedade o conteúdo do Plano Diretor com objetivo de conscientização social sobre a sua importância, bem como dos seus instrumentos de gestão, operacionalização e controle;

III - discutir a eficácia dos princípios, diretrizes e regras estabelecidas no Plano Diretor de Maceió, com vistas à operacionalização dos seus institutos;

IV - propor a discussão acerca do processo de desenvolvimento urbano do Município de Maceió, observados os princípios de proteção ao meio ambiente, garantia da manutenção e ampliação da infraestrutura urbana, utilização dos espaços públicos, inclusão social e gestão integrada e compartilhada do desenvolvimento urbano;"
(Resolução Colegiada nº 001, de 23/10/2015 - Regimento Interno do Conselho Municipal do Plano Diretor de Maceió)

Compõem o Conselho as seguintes entidades e seus representantes:

Entidades de ensino e científicas:
- UFAL – Profª. Débora Cavalcanti
- CESMAC – Profª. Carlina Rocha
- UNIT – Prof. Renan Silva

Entidades de classe:
- SINDUSCON – Sr. Hélio Abreu
- SENAI – Sr. Maurício Breda
- SEBRAE – Sr. Marcos Vieira

Associações de Moradores:
- Assoc. Conj. José Tenório – Sra. Célia Regina
- União de Mov. por Moradia em AL – Sr. Cláudio dos Santos
- Mov. de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas – Sr. Ésio Melo

ONGs:
- IAB/AL – Sra. Isadora Padilha
- IDEAL – Sra. Sandra Amália
- Instituto Casa Viva – Sra. Eliane da Silva

Órgãos e entidades públicas:
- CBTU / Gov. Federal – Sra. Taiane Gonçalves
- SETRAND / Gov. Estadual – Sra. Andréia Estevam
- Câmara de Vereadores / Gov. Municipal – Ver. José Márcio

Com todos os conselheiros presentes, a reunião foi iniciada às 9h30 e teve como primeiro item de pauta a discussão e votação do Regimento Interno do Conselho. Após exaustiva discussão e alterações feitas pelos conselheiros, o Regimento Interno foi aprovado às 13h10, quando foi iniciada a discussão do próximo ponto da pauta: a formação de grupos de apoio ao Conselho.

Na 1ª audiência pública para revisão do Plano Diretor de Maceió, ocorrida em 13/10/2015, o secretário municipal de planejamento, Sr. Manoel Messias, sugeriu a inclusão dos seguintes grupos de apoio ao Conselho Municipal do Plano Diretor.


O grupo permanente de apoio técnico já havia sido aprovado durante a discussão do Regimento Interno, constante em seu art. 10. Restava a discussão e aprovação do grupo de Movimentos Sociais Temáticos.

Durante a audiência do dia 13/10/2015, também reivindicaram participação, no grupo de apoio, a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas – Ademi-AL e o Instituto Biota de Conservação. Durante a reunião de hoje, o Sr. Hélio Abreu, representante do Sinduscon, sugeriu a retirada do Movimento Abrace a Garça e a inclusão da Ademi-AL.

Depois de uma longa discussão sobre o que é e o que não é um “movimento social”, foi decidido entre os conselheiros que seriam incluídos a Ademi-AL e o Instituto Biota à lista inicial proposta pelo secretário de planejamento e que seria feita a votação nominal entre os conselheiros para eleger os três movimentos (apenas três, conforme art. 10, II do Regimento Interno).

Nesse momento, três conselheiros (Sra. Carlina Rocha, Sr. Cláudio dos Santos e Sr. Marcos Vieira) já tinham se ausentado da reunião e, portanto, restavam apenas doze. Realizada a votação, ficou decidido que os movimentos que comporão o grupo de apoio serão: Bicicletada de Maceió, Movimento Abrace a Garça e Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas – Adefal.


Ficamos surpresos com a quantidade de votos recebidos pela Bicicletada. Apenas a Sra. Eliane da Silva se absteve da votação, por não concordar com a definição que fora entendida pelo Conselho sobre o significado de “movimentos sociais”. Com exceção da Sra. Eliane, todos os conselheiros presentes votaram na Bicicletada para compor o grupo de apoio do Conselho do Plano Diretor, totalizando onze votos.

Na prática, esse “grupo de apoio” não tem muita importância, pois não tem direito a voz, nem voto, nas reuniões do Conselho. Contudo, a expressiva votação do movimento Bicicletada, sem que fosse necessário fazer qualquer campanha entre os conselheiros, é uma honra. É o reconhecimento da maneira séria com que os participantes do movimento tratam dos assuntos referentes à mobilidade urbana em busca de uma cidade mais humana e mais justa. Ser indicado e eleito sem fazer qualquer campanha, a nosso ver, é a plena democracia.