Cidades do mundo inteiro estão chegando à mesma conclusão: elas seriam
muito melhores com menos carros. Então, o que está por trás dessa
revolução em nosso estilo de vida urbano? Stephen Moss parte em uma
viagem (sem carro) para descobrir.
Realmente chegamos ao fim do automóvel nas cidades?
Oxford Street, em Londres, em 1965, quando o Urbanismo buscava acomodar
cada vez mais carros nas cidades. Foto: Powell / Getty Images
Por Stephen Moss*
Gilles Vesco chama de “Nova Mobilidade”. Consiste em uma cidade onde seus habitantes não dependem mais do automóvel, mas do transporte público, de carros e bicicletas compartilhados, sobretudo, em tempo real, através de seus smartphones. Ele prevê uma revolução que transformará não apenas os transportes, mas as próprias cidades. “O objetivo é redemocratizar o espaço público e criar uma cidade para pessoas”, diz ele. “Será uma cidade com menos poluição, menos barulho, menos estresse: uma cidade ‘caminhável’.”
Vesco, responsável pelo transporte sustentável em Lyon (França), coordenou a implantação do
sistema de bicicletas públicas da cidade, o Vélo’v, dez anos atrás. Sistema esse que vem sendo replicado em cidades do mundo inteiro. Agora ele está convencido de que a tecnologia digital mudou as regras do jogo e tornará possível que as pessoas não sejam mais dependentes do carro, o que era inimaginável quando o Vélo’v foi lançado, em maio de 2005. “A informação digital é o combustível da mobilidade”, diz ele. “Alguns sociólogos de transporte dizem que a informação corresponde a 50% da mobilidade. O carro será um acessório do smartphone.”
Vesco faz sua profecia: “O compartilhamento é o novo paradigma da mobilidade urbana. No futuro, você avaliará a cidade em função daquilo que é compartilhado nela. Quanto mais pessoas compartilhando o transporte, os espaços públicos, informação e outros serviços, mais atraente será a cidade.”
O Vélo’v tem sido expandido, grupos de compartilhamento de carros elétricos vêm sendo estimulados e o que Vesco chama de “plataforma colaborativa” foi desenvolvida para incentivar caronas solidárias. Não há, segundo ele, qualquer motivo para que um habitante de Lyon possua carro. E ele dá o exemplo: ele mesmo não possui.”
Zona de pedestres na área central de Lyon, nas margens do rio Rhônes. Foto: Alamy
O número de carros que entraram em circulação em Lyon diminuiu 20% na última década, sem qualquer cobrança de pedágio urbano (Vesco diz que tal medida prejudicaria as pessoas com menor renda, que costumam possuir veículos mais poluentes). E embora a expectativa de crescimento da população de Lyon seja de mais de 10% na próxima década, ele prevê uma redução de 20% no uso do automóvel. O estacionamento que havia nas margens dos dois rios que passam por Lyon foi substituído por parques públicos. Vesco diz que, alguém que visitou Lyon dez anos atrás e retorna hoje, mal reconheceria a cidade.
Birmingham, que disputa com Manchester o titulo de segunda cidade mais importante da Inglaterra, tem acompanhado de perto a experiência de Lyon e de outras cidades europeias e embarca agora no seu plano para os próximos 20 anos, chamado “
Birmingham Conectada”, para reduzir a dependência do automóvel. Para uma cidade conhecida por suas montadoras de automóveis, é um grande avanço. A iniciativa tem sido levada adiante pelo veterano presidente da Câmara Municipal, Sir Albert Bore, que propõe a sobreposição de um plano tridimensional de transportes em um plano bidimensional da cidade: “As cidades da França e da Alemanha estão bastante avançadas no mapeamento em diferentes layers (camadas/níveis).”
“Multimodalidade” e “interconectividade” são palavras que estão na boca de qualquer urbanista hoje em dia. Em Munique, diz Bore, os planejadores lhe disseram que os moradores da cidade do futuro não precisarão mais ter carro. Bicicletas e transporte público eficiente serão a regra; para viagens ocasionais para fora da cidade, poderão alugar um carro ou participar de um grupo de compartilhamento de carros ou de caronas, que promovem o transporte intermunicipal. A estatística que não se cansa de repetir é que seu carro fica parado, ocioso e depreciando-se por 96% do dia. Tem de haver uma maneira mais eficiente de se deslocar nessas sete horas semanais.
Anel viário Smallbrook, parte do centro comercial de Birmingham dominado por carros. Foto: PA Archive
Os grupos de compartilhamento de carros apresentam uma segunda estatística: se um carro pessoal atende a um indivíduo ou uma família, um carro compartilhado pode atender até 60 pessoas. Enquanto escrevo isso, observo pela janela meu Volkswagem Golf estacionado lá fora, que usei pela última vez quinze dias atrás. Carros individuais são um desperdício.
Bore reconhece que seu plano para transformar a cidade não será fácil e que necessitará de um bom convencimento da população. “Birmingham sempre foi conhecida como ‘a cidade do carro’,” diz ele, “e por causa disso nunca se preocupou em construir uma rede de bondes e metrô, como vemos em outras grandes cidades da Europa. Foi um erro não construir essa rede, pois não nos preocupamos em ter uma visão de longo prazo.” Agora que Birmingham tem um plano de longo prazo, o que não se tem é dinheiro. Seriam necessários £4 bilhões; até agora só se conseguiu £1,2 bilhão. Tanto o governo central, quanto investidores privados e empresas locais, terão de ser convencidos de que vale a pena.
Anne Shaw, responsável pelos transportes de Birmingham, sai comigo para dar uma volta pelo centro da cidade para me mostrar as mudanças que estão em curso. A linha de bonde, que vem de Wolverhampton, está sendo estendida; a via que cortava diversas repartições públicas está sendo desviada; subsolos irregulares de edifícios estão sendo removidos; ciclovias estão sendo implantadas e um sistema BRT está planejado.
Um dia, talvez, Birmingham terá seu serviço de metrô, embora demore vários anos e custe milhões. Atualmente, os deslocamentos em Birmingham dividem-se entre 50% em transporte individual e 50% em transporte coletivo; isso também precisa mudar — em Londres, apenas 15% das viagens são realizadas em transporte individual. Em Birmingham, o distrito central, onde estão localizados o Symphony Hall e a moderna biblioteca, é chamado de Paraíso. Bore espera que, um dia, faça jus a seu nome.
Os planejadores de Birmingham reconhecem que a cidade está atrasada. Londres, que foi pioneira na implantação do pedágio urbano e sempre soube integrar os serviços de transporte público, teve mais sucesso na diminuição do uso do carro na última década, quando 9% dos usuários de automóveis migraram para outras formas de transporte. “Em Londres, as pessoas têm diversas opções de transporte, em tem havido um grande crescimento em todos os modais”, diz Isabel Dedring, a norte-americana responsável pelos transportes na cidade. “Houve um grande aumento nos investimentos em transporte público.”
Região de Piccadilly, Londres, em 1969, quando o estacionamento de carros nas ruas era permitido em quase toda a cidade. Foto: Dezo Hoffmann / Rex Features
Dedring diz que Londres sempre foi avançada em termos de transporte público — suas ruas estreitas e tortuosas nunca foram favoráveis à dominação do automóvel, ao contrário do que ocorreu em diversas cidades dos EUA e da Europa, nos anos 1960 e 1970, quando o automóvel ditava as regras. Além disso, desde a virada do milênio, houve um esforço concentrado em estimular o uso de outros modais de transporte, que foi capaz de reduzir em 30% o tráfego na área central de Londres.
“O tráfego diminuiu consideravelmente”, diz Dedring, “principalmente por conta do pedágio urbano, mas também porque os espaços que antes eram dominados por automóveis estão sendo convertidos em faixas exclusivas para ônibus e espaços para pedestres, através da reabilitação dos espaços públicos. E agora para bicicletas também, com o plano “
cycle superhighways” e as vias de tráfego compartilhado, que vem sendo testadas em três distritos londrinos.
No distrito de Waltham Forest, um dos que vêm testando esse projeto-piloto (chamado de “mini-Holanda), saio para pedalar com o vereador Clyde Loakes, vice-presidente da Câmara de Vereadores e presidente da Comissão de Meio Ambiente. As ruas que costumavam ser atalhos buscados por motoristas, na área conhecida como Walthamstow Village, foram fechadas ao tráfego de passagem e, como num passe de mágica, o número de veículos que circulam por lá diminuiu mais de 20%. O local estava bastante tranquilo quando pedalamos por lá num dia de semana à tarde; de fato, sentimos uma grande diferença quando saímos dessa área tranquila e retornamos para a barulhenta e congestionada área central.
Loakes diz que o projeto-piloto é uma tentativa de alterar o comportamento e as sensações que se tem na área, mas deve-se reconhecer que as mudanças já estão em curso. “Em Waltham Forest, cresce o número de famílias que não têm carro. O transporte coletivo está melhorando, a população mais jovem está aumentando e nos vários empreendimentos que vêm sendo construídos, vagas de garagem não são prioridade, pois possuir automóvel não é mais um desejo.”
Para ser franco: diversos empreendimentos na cidade já não oferecem vagas de garagem. No começo, os empreendedores ficaram receosos, mas depois perceberam que isso não é um problema para jovens profissionais que compram seus imóveis e, por isso, aceitaram as mudanças impostas pela municipalidade.
Em Walthamstow Village, houve uma queda de 20% na frota de veículos dede que iniciou o projeto-piloto de vizinhança amigável à bicicleta. Foto: Alamy
O distrito de Hackney, na Grande Londres, que orgulha-se de ser o mais verde da cidade, tem uma história semelhante. “Estamos tentando criar um ambiente mais humanizado,” diz a vereadora Feryal Demirci, membro da Comissão de Vizinhanças, “e diminuir o número de carros é um dos caminhos para isso.” Ela diz que 90% dos empreendimentos que estão em curso são completamente livres de carros, com a garantia da municipalidade de que cada moradia estará num raio de 3 minutos de um ponto de compartilhamento de carros.
O distrito de Hackney orgulha-se também dos seus 15% de residentes que se deslocam de bicicleta para o trabalho. “Trata-se de criar um ambiente favorável ao uso da bicicleta e do transporte coletivo, para que as pessoas não precisem utilizar o carro”, diz Demirci. A frota de automóveis diminuiu, no distrito, nos últimos 10 anos: antes, 56% dos domicílios não tinham carro, hoje são 65%. O distrito não é atendido pelo metrô e, por isso, tem uma das maiores taxas de utilização do ônibus em Londres. Embora a população tenha aumentado em 45 mil pessoas, o número de veículos per capita diminuiu em 3 mil. Estes são dados que agradam a qualquer urbanista.
Este modelo de cidade, mais densa e menos dependente do automóvel, está se tornando modelo nos países desenvolvidos. “A altura dos edifícios tem aumentado, a densidade populacional tem crescido e as políticas públicas locais e metropolitanas de Londres estão focadas em intensificar e adensar o uso do solo”, explica Bem Kennedy, responsável pelos transportes no distrito de Hackney. “Estamos seguindo o caminho de Manhattan. As pessoas, morando muito próximas umas das outras, não precisam do transporte, porque tudo está perto. Há tantas pessoas morando numa mesma quadra, que é possível resolver as necessidades básicas em curtos deslocamentos. É nesse caminho que Londres caminha.”
De acordo com o jornal finlandês Helsinki Times, no futuro, a maioria das pessoas que vivem em cidades não terão carro. Foto: Pekka Liukkonen / Alamy
Estamos caminhando para uma revolução, mas custará caro
Rikhard Manninen é mais um responsável por um plano — um grande plano, que está aberto sobre uma mesa em seu escritório, no centro de Helsinque. Manninen é diretor da divisão de planejamento urbano estratégico da cidade. O plano é uma previsão do que será a cidade em 2050. Haverá muito mais pessoas — a população deverá aumentar em 50% — mas
muito menos dependente do automóvel. A densidade populacional aumentará; muitos dos novos edifícios residenciais não terão garagem; as principais vias da cidade serão transformadas em boulevards; mais e mais espaço será destinado a ciclovias. Uma reportagem do ano passado, do
Helsinki Times, já dizia: “Os futuros habitantes de Helsinki não terão carro.”
“Adensamento” é a palavra de ordem para urbanistas como Manninen, e os benefícios que ele pode proporcionar estão criando uma nova cidade. “Quando você mora perto, os negócios acontecem mais facilmente; as pessoas podem ir ao trabalho a pé ou com o transporte coletivo. É mais eficiente.”
Em muitas cidades, a era dos deslocamentos pendulares, juntamente com a era do automóvel, está chegando ao fim. Manninen não imagina mais a cidade com um único centro; ele prevê uma cidade polinucleada, com meia dúzia de centros, onde as pessoas vivem, trabalham, fazem compras e se divertem. Isso vai reduzir os congestionamentos, a superlotação dos transportes e gerar uma série de comunidades organizadas, semi-autônomas, eficientes e vibrantes — esse é o plano.
Embora a Finlândia tenha fama de ser pioneira em transporte sustentável, a realidade é bem diferente. Por conta de sua urbanização tardia, com desenvolvimento de cidades nas décadas de 1950 e 1960, a cultura do automóvel está mais enraizada do que em cidades mais antigas. Os finlandeses costumam viver na periferia da cidade e deslocam-se ao centro de Helsinque, para trabalhar, e para suas casas de campo, nos finais de semana. Mas Manninen concorda com Vesco, de Lyon, que as atitudes estão mudando: “Os mais jovens não querem depender do carro. Estão menos interessados em tirar carteira de motorista do que as gerações anteriores.”
A geração Y, conhecida como “geração do milênio”, agora com seus 20 a 30 anos, que viveu sua infância na era digital, parece menos apegada a bens do que a geração “baby boomer”. Pesquisas mostram que o único objeto valorizado é o smartphone, e que o futuro dos transportes deverá basear-se não em carros particulares, mas na “mobilidade como um serviço” — termo supostamente criado por outro finlandês, Sampo Hietanen, chefe da Intelligent Transport Systems (ITS). As pessoas usarão seus smartphones para buscar informações ultra-detalhadas sobre as viagens, localizar carros ou bicicletas de aluguel, procurar vagas de estacionamento, utilizar o aplicativo
Uber e organizar caronas solidárias. Quem precisará ter carro?
Enquanto isso, em Helsinque, me encontro com funcionários do órgão local responsável pelos transportes. Estou impressionado, não apenas pelo compromisso deles com a mobilidade sustentável, mas com empenho em engajarem a população. Eles visitam escolas e locais de trabalho para tentar convencer as pessoas a se deslocarem a pé, de bicicleta e em transporte coletivo. E também levam sua mensagem aos mais velhos, que costumam oferecer mais resistência a abandonar o automóvel.
Ciclovia Baana de Helsinki, aberta ao público em 2012. Foto: Alamy
Uma das iniciativas que eles têm mais orgulho é o serviço de ônibus “Kutsuplus” (em português, “chame mais”) — uma frota de micro-ônibus de nove lugares cujas rotas são determinadas pelos usuários. É uma ótima ideia, e eu aproveito para experimentar indo do órgão de transportes até o centro da cidade. Chega rápido, me pega num ponto de ônibus distante apenas 100 metros e custa 5 euros por uma viagem de 3 km. O problema é que, até agora, Helsinque só tem 15 desses micro-ônibus, e não tem recursos para adquirir mais. Como muitos dos serviços atuais, este está em fase de testes. Estamos caminhando para uma revolução, mas custará caro.
“Nós não livraremos Helsinque dos carros — isso é impossível”, diz Reetta Putkonen, diretora da divisão de planejamento de transporte e trânsito, que conheci num almoço, numa exposição dedicada à cidade do futuro. “Mas estamos monitorando onde e como os carros são utilizados, de modo que possamos ter locais onde seja agradável caminhar, pedalar e o transporte coletivo seja altamente eficiente. Os pedestres terão prioridade e as bicicletas terão seu espaço apropriado. Nós ainda teremos carros — precisamos deles para transportar mercadorias — mas haverá poucos e circularão em baixa velocidade. Não podemos planejar a cidade pensando apenas em vias para carros circularem e espaços para estacionarem. Os espaços públicos precisam ter um uso equitativo.
Depois do almoço, encontro outra Reetta — nem todas as finlandesas se chamam Reetta, elas me garantem. Reetta Keisanen é coordenadora de ciclomobilidade da cidade, e ela consegue duas bicicletas de aluguel para darmos uma volta pela cidade. Primeiro, seguimos por uma ciclovia construída sobre uma extinta linha férrea, ligando o centro da cidade ao porto. Ao longo do caminho há um contador eletrônico de ciclistas — eu sou o 54.672º desde o início desse ano. Reetta II conta que 96% dos habitantes de Helsinque são a favor das bicicletas, embora Reetta I tenha advertido que esse número poderia ser menor, caso os motoristas tivessem noção de quanto espaço os carros têm perdido na cidade.
A bicicleta que Reetta me arranjou tem apenas três marchas e eu não estava vestido adequadamente para esse súbito exercício físico — em vez de shorts, estou usando calças grossas e um blazer — por isso, está incômodo, principalmente por pedalarmos à beira-mar. Mas logo me sentirei melhor, quando chegarmos à Regatta, uma pequena cafeteria de madeira que é um dos pontos turísticos de Helsinque.
Keisanen, que tem uns vinte e poucos anos, e é comprometida com a causa da sustentabilidade, está convencida de que uma grande mudança vem acontecendo. “Temos bastante trabalho a fazer porque muitos finlandeses ainda possuem carro”, diz ela, “mas nas cidades já é possível viver sem carro, e os jovens estão comprando menos carros do que os mais velhos”. O número de usuários de bicicleta em Helsinque duplicou desde 1997, e Keisanen prevê que aumente ainda mais, à medida que a rede de ciclovias seja expandida. Digo a ela que nem todos os ciclcistas se comportam bem no trânsito — principalmente os que vejo correndo feito loucos e andando na contramão em ruas de sentido único, em Londres — mas ela tem uma boa resposta: “Cada cidade tem o ciclista que merece. Se você oferece boa infraestrutura, você terá bons ciclistas. O mesmo acontece com motoristas e pedestres.”
Congestionamento na entrada do túnel do Brooklyn, que dá acesso à ilha de Manhattan, durante a primeira greve geral dos trabalhadores de transportes, em 1966. Foto: Arthur Schatz / The LIFE Picture Collection / Gett
Ter ou não ter carro: será o fim do automóvel?
Todas as tendências demonstram que estamos caminhando na direção desejada pelos ambientalistas. Então eles estariam tendo sucesso? “Estamos numa fase da história em que as pessoas, especialmente os mais jovens, querem poder decidir se querem ou não ter carro”, diz Jason Torrance, diretor de políticas da entidade pelo transporte sustentável, Sustrans. “Nós observamos uma grande mudança na questão da posse X uso, nos últimos cinco anos. Hoje em dia, existe o Spotify e outros serviços on-line. Toda minha coleção de discos está no sótão. Temos tudo no iTunes e Spotify e meu filho de seis anos mal sabe o que é um CD”.
Torrance diz que há demanda por alternativas ao automóvel e que algumas cidades — tanto da Europa como dos países em desenvolvimento, principalmente a China — estão respondendo a essa demanda. A cultura do automóvel, que predominou no Reino Unido desde a década de 1960 até o final da Era Tatcher, certamente não tem mais o mesmo peso, mas, diz ele: “Ainda há um apego muito grande ao carro no Reino Unido e nossos prefeitos precisam ser mais ousados”.
A resposta da entidade Sustrans para o que ela chama de “inércia governamental” está em se envolver em projetos locais, tais como ruas “
faça você mesmo”, onde se trabalha com associações de moradores para reduzir o impacto que os carros causam à comunidade. O objetivo é permitir que os moradores decidam o que querem em termos de facilidade de circulação e número de vagas de estacionamento. “Acreditamos que moradores de ruas ‘faça você mesmo’ utilizam menos o carro e há um aumento significativo nos deslocamentos por bicicleta e no número de crianças brincando nas ruas”, diz ele.
Torrance acredita que ainda estamos apegados ao carro como um símbolo de status, mas outros discordam. Stephen Bayley, que escreveu diversos livros sobre design de automóveis, está convencido de que a Era do Automóvel está chegando ao fim. “Estamos chegando ao limite”, diz ele. “Não é mais racional utilizar o carro particular em cidades como Londres”. O carro foi inventado com o intuito de promover a liberdade, mas dirigir (e pior, estacionar) é quase um castigo.
Bayley também acredita que a chegada dos
carros autônomos impactará na questão da posse do automóvel. Sexo, beleza, status, liberdade — todas as palavras que os publicitários tentaram associar ao carro nos últimos 50 anos — foram substituídas por mera funcionalidade.
“Foi feita uma pesquisa, mais ou menos um ano atrás, que entrevistou pessoas com idade entre 20 e 30 anos”, diz ele. “A grande maioria disse que, se tivesse que escolher entre viver sem o carro ou sem o celular, desistiria do carro e, em sua lista de marcas preferidas, nenhuma empresa fabricante de automóveis apareceu entre as 20 primeiras. Isso é uma mudança muito significativa. Vinte anos atrás, se você entrevistasse jovens, BMW e outras marcas de carro certamente estariam na lista”.
Modelos Citroën DS em exposição numa loja na Champs-Elysées, em Paris, nos anos 1960. Foto: Charles Edridge / Getty Images
Bayley relembra a homenagem do filósofo francês Roland Barthes ao Citroën DS, em seu livro Mitologias, de 1957. “Creio ser o automóvel o equivalente às grandes catedrais góticas no passado”, escreveu Barthes. “Uma grande invenção de uma época, concebida apaixonadamente por artistas desconhecidos, consumida por sua imagem, mais do que seu uso, por um povo inteiro que se apropria, através dela, de um objeto absolutamente mágico”. Hoje em dia os carros parecem todos iguais e, em breve, pelo que preveem os fabricantes, nós nem precisaremos nos preocupar em dirigi-los.
Christian Wolmar, especialista em transportes, que é candidato a prefeito de Londres pelo Partido Trabalhista, para 2016, comemora essa desmistificação do carro. “As atitudes mudaram”, diz ele. “Meu enteado não teve interesse em tirar carteira de motorista até completar 27 anos. Nenhum dos meus filhos deseja ter carro, como desejávamos no passado. Quando eu era adolescente (hoje ele tem 65 anos), nós morávamos em Kensington e eu costumava pegar emprestado o carro da minha mãe, ir até o centro à noite, estacioná-lo num lugar qualquer, ir ao cinema ou à boate e depois voltar para casa. Isso é inconcebível hoje em dia, por conta da Lei Seca, da dificuldade para estacionar e toda essa chateação. Nós já passamos a usar menos o carro. No trem, nós podemos usar o celular. O limite do automóvel parece já ter chegado nos EUA, com os jovens preferindo o transporte coletivo. E já há uma tendência dos mais jovens não verem o carro mais como algo tão importante em suas vidas”.
Fim do automóvel. Esta é uma expressão que eu escuto constantemente. A questão central do debate urbanístico é saber se há uma tendência irreversível de mudança do carro para outras formas de transporte. Glenn Lyons, fundador do Centro de Transporte e Sociedade, da Universidade do Oeste da Inglaterra, não tem dúvida de que uma mudança significativa está acontecendo. “Na década passada, antecedendo a crise econômica global, o uso do automóvel não cresceu. Isto não aconteceu apenas no Reino Unido, mas em outras economias desenvolvidas do mundo”.
Segundo Lyons: “Há que se fazer um destaque. Cada vez menos jovens estão tirando carteira de motorista e há fortes indícios de que a Era Digital está contribuindo para a menor dependência dos transportes. Estamos em meio a uma profunda transformação da sociedade. É cada vez mais comum vermos o carro como uma tecnologia funcional, para ir do ponto A ao ponto B, do que a representação simbólica que ele costumava ter para as gerações anteriores. Não quero sugerir que o carro chegou ao seu fim, mas acredito que ele ficará em segundo plano”.
David Metz, ex-cientista-chefe do Departamento de Transporte e, agora, professor visitante do Centro de Estudos sobre Transporte, da University College London, publicou um livro, no ano passado, chamado “Peak Car” (“O fim do automóvel, em tradução livre), no qual ele argumenta que “o uso do carro nos países desenvolvidos chegou ao limite” e que “chegamos ao fim de uma Era na qual nos deslocávamos mais”. “O uso per capita do automóvel, na maioria dos países desenvolvidos, parou de crescer”, diz ele, “e parou de crescer já antes da crise econômica de 2008. Se você analisar os dados do Reino Unido, verá que houve um crescimento de longo prazo no uso do automóvel, que chegou ao fim já no final da década de 1990”.
Veículos de Personal Rapid Transport — PRT em exposição no Instituto de Ciência e Tecnologia da cidade de Masdar, em Abu Dhabi. Foto: Iain Masterton / incamerastock / Corbis
Um pouco mais cético é Stephen Glaister, ex-professor de Transportes no Imperial College e prestes a se aposentar como diretor da Royal Automobile Club Foundation: “Até a Crise de 2008, em termos gerais, o crescimento (do uso do automóvel) foi contínuo”, ele coloca. “Após a crise, os mais jovens foram mais impactados economicamente, então não é de se estranhar a diminuição no número de novos motoristas. Até que ponto isso tem relação com uma mudança geral de atitude, ainda merece ser estudado. Vamos aguardar que eles cheguem aos 30 anos e constituam família”.
Glaister aponta que o Departamento de Transportes ainda está prevendo um aumento do uso do automóvel na ordem de 25%, até 2040. “É possível fazer suposições sobre o preço do petróleo e sobre os efeitos demográficos”, diz ele, “mas qualquer que seja a maneira de tratar a questão, haverá substancial crescimento no uso do automóvel”. Stephen Joseph, diretor executivo do Movimento pela Melhoria dos Transportes, diz que o Departamento de Transporte está desatualizado e baseia-se em ideias atrasadas: “Ainda se trabalha com políticas públicas, manuais e maneiras de pensar de 1989, de quando se acreditava que o nosso futuro seria como Los Angeles e que essa seria a ordem natural das coisas. Mas não é verdade. Sequer é verdade mundo afora: há exemplos, na América Latina, por exemplo, de cidades que são estruturadas em função dos ônibus, não dos carros. Essa ideia de que o desenvolvimento natural das cidades é ser igual a Los Angeles, nem mesmo Los Angeles pensa mais assim”.
Então o que acontecerá com os fabricantes de automóveis? Questionei o executivo da BMW, Glenn Schmidt, numa conferência sobre carros autônomos, organizada pela Associação da Indústria Automobilística (Society of Motor Manufacturers and Traders – SMMT), que estava dando uma palestra sobre o que essa nova geração de carros significava para fabricantes como a BMW, que, tradicionalmente, sempre enfatizou o prazer de dirigir. Em sua fala, ele admitiu que estamos observando agora “uma mudança da 'propriedade' para o 'acesso' à mobilidade”, e que os jovens estão menos interessados em ter carro do que antigamente. Daí o apoio da BMW ao “DriveNow”, um serviço de aluguel de carros que se estabeleceu na Alemanha, nos Estados Unidos e, mais recentemente, em Londres.
“Há uma profunda mudança em curso”, diz Schmidt, “e se você olhar para as cidades congestionadas, a solução não pode ser injetar mais carros nessas cidades”. Então a BMW venderá menos carros? “Obviamente. Temos os carros no DriveNow e, usualmente, os mais jovens vão optar por utilizá-los. Futuramente vão comprar seus próprios carros. O DriveNow é um mecanismo para atrair os mais jovens. Ele faz o elo para que os jovens conheçam nossa marca e, mais tarde, se interessem em comprar nossos veículos”. Isso, pelo menos, é o que esperam os fabricantes de automóveis.
Jean-Philippe Hermine, vice-presidente de planejamento ambiental estratégico da Renault, que foi pioneira nos carros elétricos, concorda que agora os veículos são vistos de maneira diferente. “Nossa relação com o carro está mudando”, diz ele. “Você pode questionar a necessidade de ter seu próprio carro. Algumas pessoas estão à procura de funcionalidade. Com nossos carros elétricos, onde os clientes podem alugar a bateria, nós estamos, de certo modo, vendendo mobilidade e quilometragem, mais do que automóveis”.
Um exemplo de carro autônomo da Google em teste em Mountain View, California. Foto: Eric Risberg / AP
A revolução está prestes a acontecer — principalmente se Google e Apple concretizarem seus experimentos com carros autônomos — e, certamente, acontecerão acidentes, mas, no momento, os fabricantes estão citando o velho ditado de que toda crise traz oportunidades. Ninguém quer ficar pra trás — a
Autolib' está pronta para entrar em funcionamento em Londres, com sua frota de carros elétricos, também assumirá a gestão da infraestrutura para carregamento das baterias dos carros na capital inglesa —, a consolidação dos carros compartilhados parece inevitável, com algumas empresas nacionais dominando o mercado, utilizando aplicativos para celulares. Este é um setor que dependerá da economia de escala.
“Nós veremos uma grande mudança nas próximas duas décadas”, diz Richard Brown, gerente do grupo de produtos avançados da Ford, “e o carro, com certeza, fará parte da 'internet das coisas', da qual tanto se fala. Nós temos que estar preparados para aproveitar esse potencial e as oportunidades que virão. Nós vimos, nos últimos cinco ou dez anos, empresas que não enxergaram as mudanças que aconteceram ao seu redor e que não existem mais. Veja o que aconteceu com a Kodak e com a Nokia. Nós não queremos nos tornar uma Nokia”.
“Nós sempre escutamos que as pessoas são apaixonadas por carros. Mas são mesmo?” Sampo Hietanen me questiona, durante um seminário organizado pela usina de ideias Nesta, para discutir “mobilidade como um serviço”. “Se te oferecem um serviço de qualidade, você abandona o carro”, diz ele. “Se eu te oferecer uma quantia de uso gratuito de táxi e garantir que você pode fazer todas as suas viagens de táxi, você vai se perguntar: ‘Para quê eu preciso ter carro?’”
Hietanen defende que, no futuro, em vez de comprar um carro, teremos um contrato mensal com uma empresa que irá suprir todas as nossas necessidades de mobilidade. Então, quanto tempo levará até que esses prestadores de serviço comecem a aparecer? “Eu imagino que os primeiros prestadores de serviço aparecerão já no próximo ano”, diz Hietanen. “Não vai demorar até que alguma empresa ofereça esse tipo de serviço em Londres”.
O consultor de transportes George Hazel, outro palestrante do seminário, apresenta um relatório com os 16 principais provedores de mobilidade a entrar no mercado global. “A ideia é que o provedor entenda as necessidades do usuário, acompanhando constantemente seu perfil e apresentando um plano que mais se adeque ao seu perfil e à sua capacidade de pagamento”. Para os provedores de mobilidade, diz ele, a vantagem será que, uma vez tendo o usuário como cliente, eles poderão oferecer uma gama de serviços além do transporte.
A visão de Hazel me faz lembrar a de um consultor com quem conversei na conferência da SMMT, que disse que, no futuro, os carros que as pessoas dirigem (ou que as dirigem) terão menos valor do que os dados disponíveis sobre as pessoas: quais os deslocamentos que elas costumam fazer, o que elas escutam ou assistem enquanto os carros as levam de um ponto a outro, onde elas passam suas férias e até mesmo como elas se sentam no carro. Ele prevê uma época em que o carro conectado e autônomo será fornecido gratuitamente e, então, o provedor poderá ter o usuário em sua base de dados e conhecer seu perfil. O carro será um chamariz para outros negócios.
Proposta do Plano Diretor da cidade de Masdar, Abu Dhabi, que mantém a área central livre dos carros. Ilustração: Foster and Partners
Cidades do futuro — sem carros?
Numa radiante manhã de primavera, conheci David Nelson, chefe de design do escritório de arquitetura Foster and Partners, e Bruno Moser, chefe da divisão de planejamento urbano. Cresce, cada vez mais, o interesse do escritório Foster and Partners em conceber planos para cidades inteiras e incluir conceitos de sustentabilidade nos países em desenvolvimento. Em Abu Dhabi, dedicou os últimos dez anos criando a cidade de Masdar, um assentamento ambientalmente correto, que terá no máximo 100 mil habitantes, onde os carros serão mantidos fora do centro e serão encorajados a caminhada e o uso da bicicleta.
“Nós buscávamos projetar uma cidade com zero emissão de carbono, zero produção de resíduos e a mobilidade desempenha um papel fundamental nessas questões”, diz Nelson. O que ele chama de “carros-carbono” serão mantidos fora do perímetro central e, para o centro, o escritório Foster and Partners projetou um veículo pessoal, similar àqueles utilizados no Terminal 5 do aeroporto de Heathrow, em Londres. A crise de 2007/2008 retardou a implantação do projeto e, até agora, apenas as duas primeiras fases foram concluídas. Mas Nelson assegura que o projeto tem sido um sucesso,
apesar das críticas à lentidão na implantação e à escassez de habitações com preços acessíveis, que faz com que muitas pessoas tenham que realizar deslocamentos pendulares, o que vai de encontro aos principais objetivos do plano.
O escritório Foster and Partners está mais preocupado com as cidades dos países em desenvolvimento do que com as cidades europeias. Moser acredita que a batalha contra o carro já foi mais ou menos vencida no ocidente, onde a frota de automóveis per capita é menor nas áreas centrais do que na periferia e nas áreas rurais. Porém, nos países em desenvolvimento ocorre o contrário: as pessoas com maior renda costumam morar nas áreas centrais e, a menos que haja um trabalho de conscientização por parte do poder público, aliado a políticas de restrição ao uso do automóvel, haverá um crescimento exponencial na sua posse e seu uso.
“Se as cidades dos países em desenvolvimento seguirem o mesmo caminho adotado pelas cidades dos países desenvolvidos nas últimas cinco décadas, nós teremos um grande problema”, diz Moser. Nelson acredita que há uma grande oportunidade para adotarmos novas soluções, mas teme que “o desejo pelo estilo de vida da classe média, que inclui o automóvel” possa atrapalhar. “Se planejarmos as cidades em função do automóvel, os exemplos dos EUA nos mostram como será: avenidas com seis faixas de rolamento cortando a cidade. O carro dita as regras e a cidade é construída em função dele. Isso já está acontecendo bastante na Ásia e quando vamos desenvolver um projeto por lá, tentamos convencer as pessoas de que esse não é o melhor caminho a seguir.
Mesmo numa megacidade congestionada e dependente do automóvel, como Mumbai, há sinais de que a ideia de uma cidade livre de carros está ganhando espaço. Em outubro de 2014, a Campanha pelo Uso Equitativo das Ruas (Equal Streets movement)
deu início ao fechamento de um trecho de 1,6 km da principal avenida da cidade, aos domingos, para que os moradores (que estavam carentes de espaços públicos de lazer) pudessem caminhar, pedalar e praticar outras atividades. Apesar dos políticos de Mumbai continuarem empenhados em construir novos viadutos, a enorme aglomeração de pessoas nas ruas e o péssimo estado de conservação das estradas funcionam como desestímulo ao desejo de ter um carro.
Congestionamento numa das principais vias de Mumbai durante a hora do rush. Foto: Rajanish Kakade / AP
A última parada da minha viagem é na Impulsionadora de Cidades do Futuro (Future Cities Catapult), que visitei na
inauguração de seu novo escritório na periferia de Londres — e que estava com cheirinho de novo. O governo criou essas “impulsionadoras” em áreas estratégicas (energia, transporte, terapia celular, economia digital) para estimular a inovação e funcionar como um elo entre a academia e a indústria. Aqui, certamente, eles têm uma visão clara dos rumos que nossas cidades tomarão.
“Espero que estejamos rumo ao fim do automóvel,” diz Dan Hill, Diretor Executivo de Futuras e Melhores Práticas, enquanto nos sentamos para conversar no showroom/lounge. Mesmo nos países em desenvolvimento? “Eles têm a oportunidade de aprender com os erros que cometemos nas últimas cinco décadas e pular certas etapas”, diz ele com otimismo.
“Durante o século XX, a abordagem para resolver as questões de mobilidade, bem como de habitação, baseava-se em construir mais rodovias (ou mais trilhos). No século XXI, temos que adotar a abordagem da ‘não-construção’, otimizando a infraestrutura existente,” diz Hall. “É aí que podemos dizer que um serviço de compartilhamento de carros autônomos transformará radicalmente a maneira como as pessoas se deslocam nas cidades, sem que seja necessário construir uma avenida sequer, da mesma maneira que estamos vendo empresas como a Airbnb transformando radicalmente o setor de hospedagem, sem construir um hotel sequer. Eles não são donos de nenhuma hospedagem, são meros intermediários, mas estão mudando radicalmente o setor. O Uber não possui um carro sequer, mas está transformando a mobilidade urbana.”
A revolução na mobilidade urbana já está em curso, segundo Hill, e só tende a se intensificar. Ele acredita que a ideia de Hietanen, da “mobilidade como um serviço”, está prestes a se tornar realidade e concorda com a afirmação de Bayley, que a Era do Automóvel está chegando ao fim. “A ideia de cada pessoa ter seu próprio carro para se deslocar pela cidade soa absurda para mim. É uma loucura.”
Viaduto da rodovia Edgware, em Londres, em sua inauguração, em 1967.
Mas quanto tempo durará essa revolução? Hill diz que “depende da cidade. Em cidades como Helsinque, Copenhague ou Zurique, esses pequenos núcleos com uma população metropolitana em torno de 2 milhões de habitantes, acredito que já veremos a “mobilidade como um serviço”, como uma realidade, nos próximos cinco anos. Eles já têm meio caminho andado. Já têm a Zipcar (empresa de compartilhamento de carros) e a Uber, um ótimo serviço de transporte público, calçadas acessíveis, infraestrutura para bicicleta e uma forte política pública de redução de emissão de poluentes. Então, eu não vejo porque em cinco anos nós não alcançaríamos uma mudança significativa na realidade atual.”
Essas, porém, serão as mais fáceis. “Em cidades como Londres, que é 15 vezes maior que Copenhague, é realmente difícil dizer. Vai depender das decisões tomadas pelo Departamento de Transporte e de empresas como Ford e BMW, naquilo que elas avançarem em novas experiências de mobilidade. Falando de cidades como Sydney e San Diego, podemos imaginar um horizonte de 20 a 30 anos até que possamos observar mudanças significativas.
“Depois de construir todos esses viadutos e avenidas, gastar-se-á muito tempo e dinheiro para demoli-los e remodelá-las. Fez-se uma grande aposta no automóvel, na década de 1950, e vai demorar um pouco até que alteremos tudo que foi feito ao longo dessas décadas. Uma cidade como Londres, que tem cerca de dois mil anos, apresenta-se como uma sobreposição de escolhas diferentes feitas ao longo de diversos momentos históricos, não como uma única visão predominante. E isso a faz mais interessante e mais adaptável.”
O que é bastante evidente é que teremos o século XXI para reverter aquilo que foi feito a partir da segunda metade do século XX. Precisamos adensar as cidades a partir da ideia do bairro como o local onde se pode ter tudo que precisa em matéria de trabalho e lazer. Haverá menos segregação de funções, menos deslocamentos pendulares, menos viagens.
“Para mim, os últimos 50 ou 60 anos se apresentam como uma anomalia”, diz Hill. “Eu não sei se você percebeu, mas eu não dirijo. Eu acredito que, no futuro, nós olharemos para trás e diremos: ‘Não é estranho que, no passado, nós tínhamos que dirigir nossos próprios carros?’ Nas décadas de 1920 e 1930, você ia à mercearia do seu bairro, fazia as compras e, assim que você chegava em casa, um garoto entregava suas compras de bicicleta.”
Segundo Hill, essa época e esses serviços voltarão. Bairros e comunidades autossuficientes terão mais importância numa era que será dominada não pelo carro, mas pelo smartphone e pela internet. É o fim do motorista. Viva os hipsters!
Você consegue perceber o declínio do automóvel em sua cidade? Deixe seu comentário.
*Tradução livre a partir de artigo publicado originalmente em www.theguardian.com, em 28/04/2015.
_____________________________________________
Leia também:
-
Carros do século XXI
-
Como Vancouver conseguiu tirar do automóvel metade da sua população (em inglês)